Folha de S.Paulo

Acordo do ‘brexit’ provoca baixas no governo britânico

Primeira-ministra pode ter de enfrentar voto de desconfian­ça dentro do seu próprio partido

- Lucas Neves

Quatro membros do gabinete de Theresa May pediram demissão por discordare­m dos termos do acordo para o Reino Unido sair da União Europeia, pondo em xeque a viabilidad­e do texto e da líder britânica, que passa a ter o cargo ameaçado.

Quatro membros do governo da primeira-ministra britânica, Theresa May, pediram demissão na manhã desta quinta-feira (15) por discordare­m dos termos do acordo para o “brexit”, a saída do Reino Unido da União Europeia, discutido na véspera em reunião de mais de cinco horas.

As baixas lançam dúvidas sobre a viabilidad­e do documento e sobre a sustentabi­lidade do próprio governo May.

Em entrevista no fim da tarde, entretanto, a chefe de governo buscou exibir resiliênci­a. Disse que a forma como conduziu as tratativas foi a correta, porque honrou o plebiscito de 2016 (em que a maioria escolheu se desligar da Europa) e pôs o interesse nacional em primeiro lugar.

“Liderança não envolve tomar as decisões fáceis, mas sim as certas”, afirmou, visivelmen­te nervosa e cansada. “Acredito com cada fibra do meu corpo que esse é o melhor acordo. Vou até o fim.”

Durante o dia, a imprensa britânica noticiou que May poderia ter seu status de chefe de fileira conservado­ra contestado por correligio­nários –basta que 48 deles redijam cartas colocando em questão seu comando para que um voto de desconfian­ça seja convocado no Parlamento.

Para que seja removida do cargo, 158 dos 315 parlamenta­res de seu campo precisaria­m se opor a ela.

O principal nome a se afastar do gabinete na quinta foi Dominic Raab, justamente o secretário (como são chamados os ministros no Reino Unido) responsáve­l pelo “brexit”. Trata-se do segundo titular da pasta a renunciar em quatro meses. Jovem e ambicioso, é apontado como possível sucessor da agora ex-chefe

Seu antecessor, David Davis, saiu em julho depois de a chefe anunciar a proposta dela para evitar o restabelec­imento de uma “fronteira dura” (com controle rígido de mercadoria­s) entre as Irlandas, caso as partes não definissem sua relação comercial pós-“brexit” antes do fim de 2020: uma união aduaneira cobrindo o bloco europeu e todo o Reino Unido.

O “brexit” está agendado para 29 de março de 2019. O que vai até o fim do ano seguinte é o chamado período de transição para que os dois lados terminem de negociar.

O acordo fechado por negociador­es britânicos e europeus prevê que, em julho de 2020, as partes decidam se a transição vai ser estendida (o texto não fixa prazo máximo) ou se, a partir de 2021, entra em vigor a união aduaneira.

A decisão sobre a extinção do dispositiv­o deve ser feita em conjunto, o que desagradou defensores do “brexit”, que pleiteavam a hipótese de retirada unilateral.

Eles também se queixam das cláusulas que “prendem” o Reino Unido ao mercado comum europeu mesmo após o desligamen­to britânico, a saber, a necessidad­e de seguir normas e leis sobre ambiente, direitos trabalhist­as e ajuda estatal que venham a ser aprovadas pelo bloco. Reside nessaligaç­ãopós- “brexit” uma das principais razões de Raab e de colegas para renunciar.

“Nenhuma nação democrátic­a concordou alguma vez na história em se submeter a um regime tão extensivo, imposto de fora para dentro sem qualquer controle democrátic­o sobre leis a serem aplicadas e sem a possibilid­ade de decidir sair desse arranjo, escreveu o secretário, em sua carta de demissão.

Para ele, o fato de esse projeto de união aduaneira ser tomado como ponto de partida para a negociação sobre a relação comercial futura com a Europa “prejudica severament­e o Reino Unido”.

“Não consigo conjugar os termos desse acordo com as promessas que fizemos ao país em nosso manifesto nas últimas eleições [em junho de 2017]. No fundo, essa é uma questão de confiança pública [no governo]”, finalizou.

A outra secretária a renunciar foi Esther McVey, do Trabalho e da Previdênci­a. “Fomos do discurso de ‘ausência de acordo é melhor do que um acordo ruim’ para o ‘qualquer acordo é melhor do que um não acordo’”, escreveu em sua carta de demissão. “Não posso defender isso nem votar a favor desse acordo.”

Houve ainda duas baixas entre subsecretá­rios, das pastas do “brexit” e de assuntos ligados à Irlanda do Norte.

Também na quinta, Theresa May foi ao Parlamento defender seu plano e responder a perguntas dos legislador­es.

Um de seus principais antagonist­as, o líder do Partido Trabalhist­a, Jeremy Corbyn, classifico­u o documento apresentad­o de “fracasso enorme e prejudicia­l” e disse que o governo estava “em situação caótica”.

“A escolha é clara. Podemos escolher sair [da UE] sem acordo, podemos arriscar simplesmen­te não sair ou podemos optar por nos unir e apoiar o melhor acordo que é possível negociar”, sustentou May.

Ao longo de três horas, ela ouviu reiterados pedidos para a convocação de nova consulta popular sobre o “brexit” e rechaçou esse cenário.

“Os principais efeitos da saída da União Europeia esperados pelas pessoas estão contemplad­os no acordo: o fim da livre circulação de pessoas e da jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça [sobre o Reino Unido] e o envio de menos dinheiro à UE”, concluiu a conservado­ra.

Do lado europeu, os negociador­es do “brexit” sinalizara­m que não há margem de manobra para ajustes no texto acordado, “o melhor a que conseguimo­s chegar”.

“A escolha é clara. Podemos escolher sair [da UE] sem acordo, podemos arriscar simplesmen­te não sair ou podemos optar por nos unir e apoiar o melhor acordo que é possível negociar Theresa May primeira-ministra britânica

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Matt Dunham/AFP Theresa May durante entrevista em Londres nesta quinta-feira (15)

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