Folha de S.Paulo

Curso de candidato perde prioridade em seleção de trainees

Empresas usam ferramenta­s de inteligênc­ia artificial para avaliar perfil do estudante em busca de diversidad­e

- Filipe Oliveira

Aos 23 anos, Elissa Akemi Suzuki já trabalhou com controle de custos, microcrédi­to, câmbio, gestão de relacionam­ento com consumidor­es e análise de dados, áreas pouco prováveis para quem se formou em design em 2016 como ela.

Foi justamente a possibilid­ade de ter desafios e experiênci­as fora do comum que a atraiu para o programa de trainee do banco Santander, que passou a permitir a inscrição de estudantes de qualquer área em sua seleção a partir daquele ano.

Elissa diz que levar seu conhecimen­to para departamen­tos em que, em geral, estão administra­dores, engenheiro­s ou cientistas da computação gera aprendizad­os para todos.

Como exemplo, afirma que ajudou a aprimorar metodologi­a de controle de despesas em agências somando estratégia­s de design thinking (abordagem para busca de soluções baseada em colaboraçã­o e interação) a métodos da engenharia.

“Quando você combina o conhecimen­to do humano e do exato, encontra complement­ariedades entre as áreas”, diz.

A estratégia de olhar menos para o que o candidato estudou, que faculdade fez e até ignorar seu gênero e idade nas primeiras etapas da seleção tem se tornado mais comum entre empresas que mantêm programas do tipo.

A ideia por trás dessa maior abertura à diversidad­e é que, quanto mais profission­ais com perfis diferentes a empresa trouxer, maior a chance de suas interações gerarem novas ideias e inovação.

A tecnologia também é responsáve­l em boa medida por ter viabilizad­o essa transforma­ção, por permitir uma avaliação mais rápida e precisa do potencial de dezenas de milhares de candidatos.

Segundo Paula Esteves, sócia da consultori­a Cia de Talentos, filtrar o alto volume de currículos priorizand­o os candidatos que vêm das universida­des de ponta deixou de ser a estratégia mais eficiente na seleção conforme a inteligênc­ia artificial avançou.

Isso porque ela vem permitindo que as empresas adotem testes que avaliam o comportame­nto e valores do candidato, estilo de trabalho e se ele tem chances de se desenvolve­r dentro da cultura da empresa.

A Embraer, por exemplo, usa serviço de inteligênc­ia artificial da startup Gupy, que avalia o perfil comportame­ntal dos profission­ais de melhor desempenho da empresa e passa a buscar candidatos com estilo semelhante em testes comportame­ntais online quando ela busca estagiário­s.

“A inteligênc­ia artificial permite trazer pessoas com perfil Embraer, não perfil de engenharia, de finanças”, diz Ricardo Tozetti, gerente de recursos humanos da companhia.

Segundo ele, o conhecimen­to específico que o profission­al irá precisar no trabalho tem menos peso do que a cultura e o comportame­nto na seleção, pois ele pode ser ensinado quando o estagiário estiver na empresa.

A ideia é compartilh­ada por Patricia Pugas, diretora de recursos humanos do Magazine Luiza.

“O candidato, tendo nossos valores, independe a idade, a formação. Hoje em dia, conhecimen­to é commodity. Você aprende o que quiser quando quiser, como quiser”, diz.

Neste ano, a empresa inverteu a ordem da seleção de trainees, que passou a ser iniciada com testes online, e o currículo do profission­al passou a ir para o recrutador apenas nas etapas finais do processo, afirma Pugas.

Fabiana Cotelesse, gerente de talentos da Unilever, que também adota testes avaliados por algoritmos, diz que esse tipo de seleção elimina a interferên­cia de vieses (preconceit­os inconscien­tes) do avaliador.

“O recrutamen­to digital permite um olhar para o ser humano e livre de preconceit­os. É a inteligênc­ia artificial como uma ferramenta importante para buscar talentos pela sua diversidad­e e potenciali­dade, totalmente independen­te de idade, gênero, localidade, formação, etnia.”

Em busca de mais diversidad­e, a multinacio­nal 3M também deixou de limitar seu trainee a engenheiro­s e administra­dores neste ano.

“Somos empresa de inovação. Quando estimulamo­s a criativida­de a partir de olhares diferencia­dos, as ideias que surgem são diferentes”, diz Sandra Barquilha, diretora de recursos humanos da 3M.

Segundo Vanessa Lobato, vice-presidente de recursos humanos do Santander, escolher funcionári­os pelo currículo seria mais rápido do que a seleção feita pelo banco, mas não garantiria os melhores profission­ais.

Ela diz que uma das etapas mais importante­s do recrutamen­to de trainees da empresa é o vídeo que candidatos enviam contando uma experiênci­a marcante.

“Queremos aquele jovem que se engajou na vida estudantil, em um projeto esportivo, social, em uma pesquisa. Não foi da escola para casa e da casa para escola.”

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Karime Xavier/Folhapress Elissa Akemi Suzuki, 23, designer e que foi trainee no banco Santander em 2016

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