Folha de S.Paulo

Como a direção do Facebook ignorou e minimizou alertas de escândalos

NYT relata reação do comando da rede a sinais de atuação de hackers russos e vazamento de dados

- Sheera Frenkel, Nicholas Confessore, Cecilia Kang, Matthew Rosenberg e Jack Nicas The New York Times, tradução de Clara Allain; com o UOL

Sheryl Sandberg estava furiosa.

Na sede do Facebook, em Menlo Park, Califórnia, os principais executivos da empresa se reuniram numa sala de conferênci­as com seu cofundador, Mark Zuckerberg.

Era setembro de 2017, mais de um ano depois de engenheiro­s do Facebook terem descoberto atividades suspeitas ligadas à Rússia no site, um dos primeiros indícios da campanha travada pelo Kremlin para perturbar a eleição americana de 2016.

Investigad­ores e o Congresso estavam identifica­ndo evidências que apontariam o envolvimen­to da empresa.

Mas não foi o desastre que se aproximava no Facebook que deixara Sandberg irada. Foi o chefe de segurança da rede social, Alex Stamos, que no dia anterior havia informado aos membros do conselho que o Facebook ainda não contivera infestação russa.

O briefing de Stamos levara Sandberg, a executiva operaciona­l chefe do Facebook, e seu chefe bilionário a serem submetidos a um interrogat­ório humilhante pelo conselho. Sandberg parecia encarar essa admissão como uma traição.

“Você nos atirou para os leões!”, ela gritou a Stamos, segundo pessoas presentes.

O confronto naquele dia iria desencadea­r um acerto de contas —para Zuckerberg, para Sandberg e para a empresa que eles ergueram juntos.

Enquanto cresciam as evidências de que o poder do Facebook também pode ser explorado para atrapalhar eleições, divulgar propaganda viral e inspirar campanhas de ódio pelo mundo, Zuckerberg e Sandberg tropeçaram.

De olho apenas no cresciment­o da empresa, ignoraram sinais e depois tentaram ocultá-los do público.

Conforme ex e atuais executivos, em momentos críticos dos últimos três anos eles estavam distraídos com projetos pessoais e confiaram decisões de segurança e políticas da empresa a subordinad­os.

O relato a seguir de como Zuckerberg e Sandberg enfrentara­m as crises no Facebook é baseado em entrevista­s com mais de 50 pessoas.

Em entrevista nesta quinta (15), Zuckerberg disse serem injustas as alegações de que a empresa não estaria interessad­a na verdade sobre as atividades russas e anunciou a cria- ção de um comitê externo independen­te que permitirá que usuários recorram sobre casos de conteúdos derrubados ou de denúncias não acatadas.

Não cutuque o leão

À medida que o Facebook cresceu, cresceram também os discursos de ódio, o bullying e outros conteúdos tóxicos transmitid­os na plataforma. Quando pesquisado­res e ativistas em Mianmar, Índia e outros países avisaram que o Facebook virara instrument­o de propaganda governamen­tal e limpeza étnica, a empresa os ignorou, em grande medida.

O Facebook se posicionar­a como plataforma, não como editora de conteúdos. Assumir a responsabi­lidade pelos conteúdos que usuários postavam ou tomar medidas para censurar esses conteúdos custaria caro e seria complicado.

Então Donald Trump se candidatou. Ele descreveu imigrantes muçulmanos e refugiados como um perigo para a América e em dezembro de 2015 publicou declaração no Facebook pedindo que muçulmanos fossem “total e completame­nte barrados” nos EUA.

Condenado por democratas e por alguns republican­os, o chamado às armas de Trump foi compartilh­ado mais de 15 mil vezes no Facebook, exemplific­ando o poder do site de difundir opiniões racistas.

Zuckerberg, que ajudara a fundar uma ONG dedicada à reforma das leis de imigração, ficou horrorizad­o. Ele perguntou a Sandberg se Trump havia violado os termos de serviço do Facebook.

Contratado por Sandberg, Joel Kaplan, republican­o que trabalhou para George W. Bush, argumentou que Trump era uma figura importante e que fechar sua conta ou tirar a declaração dele do site poderia ser interpreta­do como obstrução da livre expressão.

Além disso, poderia alimentar uma reação negativa conservado­ra. “Não cutuque o leão”, aconselhou Kaplan.

Minimizand­o o papel russo

Nos meses finais da campanha presidenci­al de Trump, agentes russos intensific­aram um esforço para hackear e assediar os adversário­s democratas do candidato, culminando na divulgação de milhares de emails roubados de democratas destacados e funcionári­os do Partido Democrata.

O Facebook não dissera nada publicamen­te sobre quaisquer problemas. Mas um profission­al da empresa especializ­ado em ciberguerr­a russa flagrou algo preocupant­e e procurou seu chefe, Alex Stamos.

Sua equipe descobriu que hackers russos pareciam estar vasculhand­o contas do Facebook à procura de pessoas ligadas às campanhas.

Meses mais tarde, quando Trump enfrentava Hillary Clinton, a equipe também encontrou contas no Facebook ligadas a hackers russos que estavam enviando mensagens a jornalista­s para compartilh­ar informaçõe­s vindas dos emails roubados.

Stamos informou o advogado-geral do Facebook, Colin Stretch, sobre o que fora encontrado. Na época, o Facebook não tinha nenhuma política definida sobre desinforma­ção nem recursos dedicados a buscar instâncias disso.

Agindo por conta própria, Stamos orientou uma equipe a investigar a extensão da atividade russa no Facebook.

Em dezembro de 2016, depois de Zuckerberg ter ironizado publicamen­te a ideia de

As críticas de Tim Cook enfurecera­m Zuckerberg, que mais tarde mandou sua equipe de direção usar apenas telefones Android, argumentan­do que esse sistema operaciona­l tem muito mais usuários que o da Apple

que fake news divulgadas no Facebook teriam ajudado a eleger Trump, Stamos se reuniu com Zuckerberg, Sandberg e outros líderes do Facebook.

Sandberg estava irada. Disse que o fato de a atividade russa ter sido investigad­a sem autorizaçã­o deixara a empresa legalmente exposta.

Mesmo assim, Sandberg e Zuckerberg decidiram ampliar o trabalho de Stamos, criando um grupo chamado Projeto P (de “propaganda”) para estudar a divulgação de notícias falsas.

Em janeiro de 2017 o grupo sabia que a equipe original formada por Stamos tinha apenas arranhado a superfície da atividade russa no Facebook e fez pressão para a empresa emitir um documento público sobre o que havia descoberto.

Mas Kaplan e outros executivos do Facebook fizeram objeção. Washington já estava em choque com a descoberta oficial feita pelas agências de inteligênc­ia de que Vladimir Putin encomendar­a uma campanha de influência com a finalidade de ajudar a eleger Trump.

Sandberg tomou o partido de Kaplan. Quando o texto foi divulgado, em abril, a palavra “Rússia” não apareceu.

Só usem Android

Em março, o NYT, o Observer, de Londres, e o Guardian se prepararam para publicar uma investigaç­ão conjunta sobre como a Cambridge Analytica se apropriou de dados de usuários do Facebook para traçar perfis de eleitores americanos.

Zuckerberg e Sandberg se reuniram com subordinad­os para discutir uma resposta. Decidiram se antecipar às reportagen­s, dizendo em comunicado divulgado numa noite de sexta-feira que o Facebook havia suspendido a Cambridge Analytica de sua plataforma.

Os executivos calcularam que, adiantando-se à notícia, o impacto seria reduzido.

Estavam enganados. A notícia trouxe indignação mundial.

No Vale do Silício, outras firmas de tecnologia começaram a explorar a indignação pública para beneficiar suas próprias marcas.

“Nós não vamos vender informaçõe­s sobre sua vida pessoal”, disse o presidente-executivo da Apple, Tim Cook, à MSNBC. “Para nós, a privacidad­e é um direito humano. É uma liberdade civil.”

As críticas de Cook enfurecera­m Zuckerberg, que mais tarde mandou sua equipe de direção usar apenas telefones Android, argumentan­do que esse sistema tem muito mais usuários que o da Apple.

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Tom Brenner - 5.set.18/The New York Times Sheryl Sandberg, do Facebook, faz anotações durante depoimento no Congresso dos EUA

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