Como a direção do Facebook ignorou e minimizou alertas de escândalos
NYT relata reação do comando da rede a sinais de atuação de hackers russos e vazamento de dados
Sheryl Sandberg estava furiosa.
Na sede do Facebook, em Menlo Park, Califórnia, os principais executivos da empresa se reuniram numa sala de conferências com seu cofundador, Mark Zuckerberg.
Era setembro de 2017, mais de um ano depois de engenheiros do Facebook terem descoberto atividades suspeitas ligadas à Rússia no site, um dos primeiros indícios da campanha travada pelo Kremlin para perturbar a eleição americana de 2016.
Investigadores e o Congresso estavam identificando evidências que apontariam o envolvimento da empresa.
Mas não foi o desastre que se aproximava no Facebook que deixara Sandberg irada. Foi o chefe de segurança da rede social, Alex Stamos, que no dia anterior havia informado aos membros do conselho que o Facebook ainda não contivera infestação russa.
O briefing de Stamos levara Sandberg, a executiva operacional chefe do Facebook, e seu chefe bilionário a serem submetidos a um interrogatório humilhante pelo conselho. Sandberg parecia encarar essa admissão como uma traição.
“Você nos atirou para os leões!”, ela gritou a Stamos, segundo pessoas presentes.
O confronto naquele dia iria desencadear um acerto de contas —para Zuckerberg, para Sandberg e para a empresa que eles ergueram juntos.
Enquanto cresciam as evidências de que o poder do Facebook também pode ser explorado para atrapalhar eleições, divulgar propaganda viral e inspirar campanhas de ódio pelo mundo, Zuckerberg e Sandberg tropeçaram.
De olho apenas no crescimento da empresa, ignoraram sinais e depois tentaram ocultá-los do público.
Conforme ex e atuais executivos, em momentos críticos dos últimos três anos eles estavam distraídos com projetos pessoais e confiaram decisões de segurança e políticas da empresa a subordinados.
O relato a seguir de como Zuckerberg e Sandberg enfrentaram as crises no Facebook é baseado em entrevistas com mais de 50 pessoas.
Em entrevista nesta quinta (15), Zuckerberg disse serem injustas as alegações de que a empresa não estaria interessada na verdade sobre as atividades russas e anunciou a cria- ção de um comitê externo independente que permitirá que usuários recorram sobre casos de conteúdos derrubados ou de denúncias não acatadas.
Não cutuque o leão
À medida que o Facebook cresceu, cresceram também os discursos de ódio, o bullying e outros conteúdos tóxicos transmitidos na plataforma. Quando pesquisadores e ativistas em Mianmar, Índia e outros países avisaram que o Facebook virara instrumento de propaganda governamental e limpeza étnica, a empresa os ignorou, em grande medida.
O Facebook se posicionara como plataforma, não como editora de conteúdos. Assumir a responsabilidade pelos conteúdos que usuários postavam ou tomar medidas para censurar esses conteúdos custaria caro e seria complicado.
Então Donald Trump se candidatou. Ele descreveu imigrantes muçulmanos e refugiados como um perigo para a América e em dezembro de 2015 publicou declaração no Facebook pedindo que muçulmanos fossem “total e completamente barrados” nos EUA.
Condenado por democratas e por alguns republicanos, o chamado às armas de Trump foi compartilhado mais de 15 mil vezes no Facebook, exemplificando o poder do site de difundir opiniões racistas.
Zuckerberg, que ajudara a fundar uma ONG dedicada à reforma das leis de imigração, ficou horrorizado. Ele perguntou a Sandberg se Trump havia violado os termos de serviço do Facebook.
Contratado por Sandberg, Joel Kaplan, republicano que trabalhou para George W. Bush, argumentou que Trump era uma figura importante e que fechar sua conta ou tirar a declaração dele do site poderia ser interpretado como obstrução da livre expressão.
Além disso, poderia alimentar uma reação negativa conservadora. “Não cutuque o leão”, aconselhou Kaplan.
Minimizando o papel russo
Nos meses finais da campanha presidencial de Trump, agentes russos intensificaram um esforço para hackear e assediar os adversários democratas do candidato, culminando na divulgação de milhares de emails roubados de democratas destacados e funcionários do Partido Democrata.
O Facebook não dissera nada publicamente sobre quaisquer problemas. Mas um profissional da empresa especializado em ciberguerra russa flagrou algo preocupante e procurou seu chefe, Alex Stamos.
Sua equipe descobriu que hackers russos pareciam estar vasculhando contas do Facebook à procura de pessoas ligadas às campanhas.
Meses mais tarde, quando Trump enfrentava Hillary Clinton, a equipe também encontrou contas no Facebook ligadas a hackers russos que estavam enviando mensagens a jornalistas para compartilhar informações vindas dos emails roubados.
Stamos informou o advogado-geral do Facebook, Colin Stretch, sobre o que fora encontrado. Na época, o Facebook não tinha nenhuma política definida sobre desinformação nem recursos dedicados a buscar instâncias disso.
Agindo por conta própria, Stamos orientou uma equipe a investigar a extensão da atividade russa no Facebook.
Em dezembro de 2016, depois de Zuckerberg ter ironizado publicamente a ideia de
As críticas de Tim Cook enfureceram Zuckerberg, que mais tarde mandou sua equipe de direção usar apenas telefones Android, argumentando que esse sistema operacional tem muito mais usuários que o da Apple
que fake news divulgadas no Facebook teriam ajudado a eleger Trump, Stamos se reuniu com Zuckerberg, Sandberg e outros líderes do Facebook.
Sandberg estava irada. Disse que o fato de a atividade russa ter sido investigada sem autorização deixara a empresa legalmente exposta.
Mesmo assim, Sandberg e Zuckerberg decidiram ampliar o trabalho de Stamos, criando um grupo chamado Projeto P (de “propaganda”) para estudar a divulgação de notícias falsas.
Em janeiro de 2017 o grupo sabia que a equipe original formada por Stamos tinha apenas arranhado a superfície da atividade russa no Facebook e fez pressão para a empresa emitir um documento público sobre o que havia descoberto.
Mas Kaplan e outros executivos do Facebook fizeram objeção. Washington já estava em choque com a descoberta oficial feita pelas agências de inteligência de que Vladimir Putin encomendara uma campanha de influência com a finalidade de ajudar a eleger Trump.
Sandberg tomou o partido de Kaplan. Quando o texto foi divulgado, em abril, a palavra “Rússia” não apareceu.
Só usem Android
Em março, o NYT, o Observer, de Londres, e o Guardian se prepararam para publicar uma investigação conjunta sobre como a Cambridge Analytica se apropriou de dados de usuários do Facebook para traçar perfis de eleitores americanos.
Zuckerberg e Sandberg se reuniram com subordinados para discutir uma resposta. Decidiram se antecipar às reportagens, dizendo em comunicado divulgado numa noite de sexta-feira que o Facebook havia suspendido a Cambridge Analytica de sua plataforma.
Os executivos calcularam que, adiantando-se à notícia, o impacto seria reduzido.
Estavam enganados. A notícia trouxe indignação mundial.
No Vale do Silício, outras firmas de tecnologia começaram a explorar a indignação pública para beneficiar suas próprias marcas.
“Nós não vamos vender informações sobre sua vida pessoal”, disse o presidente-executivo da Apple, Tim Cook, à MSNBC. “Para nós, a privacidade é um direito humano. É uma liberdade civil.”
As críticas de Cook enfureceram Zuckerberg, que mais tarde mandou sua equipe de direção usar apenas telefones Android, argumentando que esse sistema tem muito mais usuários que o da Apple.