Folha de S.Paulo

‘Bolsonaro não é troglodita’, diz Carlos Vereza

Dos raros apoiadores do presidente eleito em seu meio, ator de 79 anos estreia na direção com o drama ‘O Trampo’

- Guilherme Genestreti

rio de janeiro Há um quê de Tarantino na premissa de matadores de aluguel à espera do sujeito que contratou o serviço deles. O resultado é bem o oposto. “O Trampo”, estreia do ator Carlos Vereza na direção de um filme, é uma descarga de agressões que remete ao universo de Plínio Marcos.

Aos 79, o carioca dirige a si como um gângster que se esconde com o comparsa, vivido por Leon Góes, num quarto de hotel após terem matado uma juíza (Secy Jannuzzi).

Quase todo o filme transcorre ali, onde trocam xingamento­s e confidênci­as. A vizinha de quarto, ex-cantora de cabaré interpreta­da por Rosamaria Murtinho, soma-se às lamúrias e aos monólogos que cada personagem profere.

Rodado sem recursos públicos, o filme não tem data de lançamento, mas deve tentar o circuito dos festivais, segundo seu diretor. Ele exibiu o filme ao elenco e à reportagem da Folha num estúdio em São Conrado, no Rio, numa sessão que terminou com lágrimas.

Premiado por sua interpreta­ção em “Memórias do Cárcere” e ex-militante do Partido Comunista, Vereza é dos poucos atores que declararam voto em Bolsonaro. Ele o visitou no hospital e leu trecho da Bíblia pedindo a sua recuperaçã­o. Qual é a gênese de ‘O Trampo’? A ideia veio de fazer um filme que não estivesse condiciona­do ao corte de cena. As pessoas andam confundind­o ritmo com velocidade. Para mostrar o humano na tela, tem que mostrar ele pensando.

De onde veio a atmosfera sufocante do filme? Queria que não houvesse saída para os personagen­s. E queria fazer duas linhas de diálogos, uma aparente, quando os personagen­s falam de futebol, e outra que vem caminhando por baixo, que mostra castigo e culpa, que explode no final.

Como traduzir essa ideia num

filme? Para mim, os atores tinham que jogar. E que a câmera ficasse a favor da gente, que os técnicos fossem testemunha do drama, e não apenas apertassem um botão.

De onde partiu a ideia de falar

de matadores de aluguel? De falar da questão da culpa. Eles não são bandidos por vocação, são vítimas das circunstân­cias. Quando o meu personagem é chamado para ser motorista, não imaginaria que iria conduzir para uma quadrilha. Mas a partir do primeiro crime, não tem como voltar.

Por que decidiu não recorrer

a leis de incentivo? Está muito confusa essa história da Lei Rouanet. Não tenho nada contra. Acho uma lei boa, mas foi usada até para casamento. Teve cantora que pediu verba para fazer site de poesia.

Mas são mecanismos abertos a todos. Por que não tentar? É um jogo de marketing que me cansa. Tô fora, bicho.

Foi uma questão de princípio? De princípios. Levei cinco anos comprando microfone, câmera, lapelas. Não sei por quê. Comprei tudo e deixei lá. E pensei: “Caramba, vou escrever uma história e vou adaptar ao pouco dinheiro que eu tenho”.

Foi tudo do seu bolso?

Do meu bolso. R$ 300 mil.

Você apoiou Bolsonaro. Como imagina que será a cultura no governo dele? Ele me disse que vai apoiar esses mecanismos de incentivo, mas vai privilegia­r quem está começando. Teve colega nosso [Wagner Moura] que pediu milhões para fazer filme sobre o Marighella. Pô, com esses milhões eu faço 20 filmes. Por que não pega um jovem que passe por uma comissão e dê R$ 500 mil para esse cara?

Bolsonaro não tem falado muito sobre cultura. Como foi esse seu encontro com ele? Ele é honesto, não é o troglodita que tentam desenhar. Respeita a Constituiç­ão.

Mas ele não se mostrou aberto à liberdade de imprensa e

fez ameaças à Folha. Concorda com o que ele disse? Não. Mas você deve ter reparado que o discurso de campanha foi um. Agora ele está com um discurso mais palatável.

Acha que no governo ele não

adotará esse tom? Você tem que entender o cara no contexto dele. Ele é um militar, então a referência dele é o filho da puta do [coronel Brilhante] Ustra. Pra ele, o Ustra não é assustador como é para nós. Não posso pedir que o Bolsonaro fale de Modigliani.

Isso não significa relativiza­r

declaraçõe­s dele? Não. Relativiza­r é ficar em cima do muro. Se ele perseguir minorias, a cultura, eu vou lá e critico.

Entre os atores, você faz parte de numa minoria que declarou voto em Bolsonaro. Como

foi a reação? Fui chamado de fascista, flautista, trombonist­a. Diz aí um “ista”. As pessoas não conseguem raciocinar dentro da complexida­de. Sou espírita, mas leio livros de ateus. Não sou Bolsonaro, sou a plataforma dele até o momento que me decepcione. Ganhei a implicânci­a dos colegas, mas não tô nem aí. Agora tem a resistênci­a da USP...

Da USP? A USP está toda doutrinada. Se me convidarem para dar palestra lá, vou ter que ir com a guarda. Uma coisa que não entendo é por que em todo protesto precisa ficar nu. São corpos feios. Não são uma Secy [Jannuzzi], têm cabelo embaixo do braço, barriga. Protesto tem que ser com calça e camisa Lacoste. Não é nu.

O que te motivou a votar em Bolsonaro? Ele vai incenti-

var a iniciativa privada, porque tudo virou cabide de emprego. Vai sair do Mercosul, que virou camisa de força ideológica. Mas o que me levou a apoiá-lo foi a questão da sexualizaç­ão das crianças.

Você se refere ao que ele chamou de ‘kit gay’? Não, estou falando de ideologia do gênero, que estudei. Surge com a Judith Butler. Você é XY. É código genético, não muda. Mas ela diz que é construção cultural. Daí tem transexual que se suicida. Porque faz operação e percebe que o DNA não muda.

Mas o índice de suicídio não tem a ver com o preconceit­o

que enfrentam? O preconceit­o não leva ao suicídio, leva à resistênci­a. Se o cara se mata é porque não está seguro da opção. A decisão dos transexuai­s eu respeito muito. Só fico espantado que agora é uma a cada esquina.

[Aborda a Escola sem Partido] Os caras foram doutrinado­s do ponto de vista marxista. O professor tem que mostrar o que foi a Revolução Cubana, mas não pode dizer que acha que o mundo ficou melhor. Criança é intocável. Pode estar ali o novo Einstein...

Se o Bolsonaro pisar na bola, você vai ver meu Face. Vou lá meter o cacete. Não sou Bolsonaro, eu sou Emilinha Borba.

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Divulgação O ator Carlos Vereza vive um matador de aluguel em cena de ‘O Trampo’, que ele mesmo dirige

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