Folha de S.Paulo

Legados em perigo

- Ruy Castro

rio de janeiro O Brasil já teve dois educadores ativos e idealistas: Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) e Gilson Amado (1908-1979).

Em 1923, Roquette introduziu o rádio no país com a pioneira Rádio Sociedade, dedicada a levar exclusivam­ente educação e cultura. A emissora era sustentada por uma sociedade de ouvintes —daí o nome—, nos moldes das atuais TVs por assinatura. Em 1932, para desgosto de Roquette, Getulio Vargas autorizou que as rádios transmitis­sem anúncios comerciais. Roquette então doou sua rádio ao Ministério da Educação, em 1936, sob a condição de que se mantivesse seu caráter educativo. Nasceu ali a Rádio MEC.

Gilson Amado, por sua vez, sempre sonhou com a educação à distância, via televisão. Em 1977, quando finalmente inaugurou a TV Educativa, também sob o controle do MEC, poucos sabiam que ela lhe custara 25 anos de luta —primeiro, conquistan­do valiosos minutos na programaçã­o das emissoras comerciais e, depois, horas, até chegar ao seu próprio canal. E que bom que, nos dois anos que lhe restavam, tenha vivido para ver a TVE ganhar tantos prêmios internacio­nais.

Mas nossos governante­s adoram meter o bedelho no que os outros, antes deles, fizeram de bom. Nos anos 90, Fernando Henrique Cardoso, presidente, transferiu a Rádio MEC e a TVE para a Secom (Secretaria Especial de Comunicaçã­o Social), órgão da Casa Civil, certamente para fins políticos. Lula, que o sucedeu, gostou e transformo­u tudo na EBC (Empresa Brasileira de Comunicaçã­o). Aparelhou-a de alto a baixo e fez da TVE a TV Brasil, um canal de propaganda do governo, com traço de audiência.

Agora, Bolsonaro, presidente eleito, quer acabar com a EBC, “a TV do Lula”. Tem poderes para isso. Mas não pode apagar os serviços prestados pela Rádio MEC e pela antiga TVE à educação no Brasil.

É só devolvê-las ao Ministério da Educação, que é o lugar delas.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil