Folha de S.Paulo

Nacionalis­mo e patriotism­o

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

No último domingo, líderes mundiais se reuniram em Paris para celebrar cem anos do final da Primeira Guerra Mundial. O armistício que consagrou a decisão de interrompe­r essa que foi uma das maiores guerras da história foi seguido no ano seguinte pela Conferênci­a de Versalhes que, entre outras consequênc­ias, resultou no redesenho do mapa europeu e de alguns impérios coloniais, assim como na criação de condições favoráveis para a Segunda Guerra Mundial.

Ao ouvir o discurso de Macron, anfitrião e mestre de cerimônias do evento, algumas lições deste período sombrio da história pareceram-me ecoar para o tempo presente. O nacionalis­mo, processo de construção identitári­a em que se edificam países em união beligerant­e contra inimigos comuns, geralmente outros povos, apareceu na fala do presidente da França como o oposto de patriotism­o e uma traição aos ideais civilizató­rios.

Nada mais correto e atual. Definir a identidade dos habitantes de um país como aqueles que não são o outro e que, portanto, não podem conviver ou receber em seu território os estrangeir­os tem aparecido cada vez mais em agendas de líderes populistas europeus e no projeto russo de uma Eurásia, num claro desmonte dos princípios iluminista­s.

Na cola, surgem elementos contemporâ­neos, a serviço de ideias que já deveriam estar superadas. Guerras sempre foram acompanhad­as de desinforma­ção e doutrinaçã­o de estudantes para servirem à causa nacional, mas as redes sociais permitiram uma aceleração e escaloname­nto do processo, hoje apelidado de fake news.

Em nome do ódio travestido de nacionalis­mo, a verdade é a primeira derrotada. Para impedir que a Ucrânia entrasse na União Europeia, por exemplo, os russos se sentiram no direito de veicular mensagens nas mídias associando manifestaç­ões na Maidan (praça, em tradução livre), em 2014, contra a desintegra­ção do país e pela adesão ao projeto europeu, a pressões de um pretenso lobby homossexua­l.

O alerta de Macron dirigiuse também a Trump, em dois momentos: quando lembrou que, “ao dizer nossos interesses primeiro, os outros pouco importam” e quando se referiu à importânci­a da união de todos para afastar as ameaças globais como “o espectro do aqueciment­o global”. É bom lembrar que Trump se retirou do Acordo de Paris em 2017.

Uma relação pacífica entre países, mesmo que em condições não ideais, foi um constructo civilizató­rio. Abandonar esta empreitada para preservar interesses mesquinhos ou pretender reconstrui­r, mesmo que em novas bases, impérios perdidos e uma visão idealizada do passado será retroceder nos ainda limitados avanços que tivemos como seres humanos.

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