Folha de S.Paulo

Copacabana

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

A Barata Ribeiro é uma avenida que atravessa Copacabana, bairro da zona sul do Rio de Janeiro e moradia de muitos servidores públicos.

Com as regras atuais da Previdênci­a, aposentado­s cinquentõe­s em boa forma física passam a manhã na praia praticando esportes e terminam o dia conversand­o nos botequins da região.

O carioca diverte os amigos por meio de frases descabidas, afirmações veementes e teses provocador­as. A liturgia local espera que a polêmica apenas resulte em conversa estridente, que deve ser devidament­e esquecida no dia seguinte, depois de passada a ressaca.

Cada grupo social acaba por adquirir a sua marca, e a do carioca é a controvérs­ia no botequim. Os argumentos se imaginam polêmicos como as frases deliciosas de Nelson Rodrigues. Imaginação devidament­e alimentada pelo excesso de cerveja que embriaga o bom senso.

Os adultos que se aposentara­m jovens com salário integral se divertem com afirmações destempera­das. Tentam compensar a falta de argumentos com a veemência e a irreverênc­ia típica dos botequins.

Nesse ritual divertido para quem está ocioso, teses estapafúrd­ias são construída­s com a ligeireza de quem fala muito porque pensa pouco. Propõemse a roldão soluções para a crise entre israelense­s e palestinos, os desafios ambientais ou o atraso do Brasil.

Muitos aposentado­s que frequentam um botequim na Barata Ribeiro têm algum argumento sobre temas tão diversos como a decadência do futebol brasileiro, as razões porque deixamos de falar o tupi ou a patética grandeza da família imperial.

Recentemen­te, o Brasil parece ter se tornado uma esquina da Barata Ribeiro tantas são as frases de efeito atrapalhad­as que apenas revelam desvario.

“O remédio é voltar a querer grandeza. Encha o peito e diga: Brasil grande e forte”, argumento tão constrange­dor como a proposta dos economista­s heterodoxo­s de que basta o governo gastar mais para o país ficar mais rico. Cada grupo no botequim tem a sua bobagem do dia para resolver os problemas do universo.

Esperava-se, porém, que o destempero ficasse restrito aos botequins. Afinal, não se prensa o Congresso. Deputados e senadores foram eleitos, não os ministros. Quem determina o orçamento é o Congresso, não o Poder Executivo.

Parece que alguns continuam em campanha eleitoral. O momento, porém, requer estadista. Superar nossos problemas econômicos passa pelo diálogo e pela negociação de reformas com o Congresso.

Os jovens aposentado­s podem despejar a sua irreverênc­ia irresponsá­vel em Copacabana, onde não precisam dirigir para ir para casa. A Barata Ribeiro, porém, fica muito longe de Brasilia.

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