Folha de S.Paulo

Com Bolsonaro, SBT reforça tradição de agrados a políticos

Nos anos 1980, emissora criou programa para apresentar a semana do presidente

- Gabriela Sá Pessoa

Invenção de Silvio Santos nos anos 1980, o programa Semana do Presidente inaugurou história de agrados que o empresário e apresentad­or se notabilizo­u por fazer aos governante­s do país.

“Silvio é assim, um diplomata”, relembra o jornalista Gilberto Dionísio, que assinou alguns roteiros do boletim, com notícias positivas da Presidênci­a, que ia ao ar aos domingos, em intervalo do Programa Silvio Santos.

Dionísio trabalhou nos primeiros anos da atração, de 1981 a 1988. Ele conta que o boletim era feito pelo próprio departamen­to de jornalismo a partir do material que chegava de Brasília. Restringia­se a um roteiro ufanista, lido pelo então locutor oficial do canal, Lombardi, morto em 2009, destacando fatos positivos da agenda presidenci­al.

Em agosto de 1992, um mês antes do início do processo de impeachmen­t, o SBT mostrou a celebração dos 43 anos de Collor, que era ali “abraçado” por “populares, admiradore­s e artistas” como os sertanejos Leonardo e Chitãozinh­o. O boletim desejava “sensibilid­ade e sabedoria” ao governante.

Em 1997, último ano do programa, o SBT assim retratou Fernando Henrique Cardoso: “Confiante e otimista, o nosso presidente administra com serenidade e trabalho o Plano Real, plano este que dará ao povo brasileiro dias de prosperida­de e a vitória sobre todos os obstáculos que há muito tempo o Brasil enfrenta”.

Dionísio conta que não se lembra de interferên­cia do patrão ou do governo nos programas ou mesmo de contrapart­idas publicitár­ias. “Era independen­te do governo, ele só queria fazer um agrado.”

Silvio Santos certa vez disse que se considerav­a um “office boy de luxo do governo”, por ter como negócio a radiodifus­ão, uma concessão pública.

“Faço aquilo que posso para ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime”, disse à Folha em 1988, em entrevista resgatada pelo jornalista Mauricio Stycer, colunista da Folha, no livro “Topa Tudo por Dinheiro - As Muitas Faces do Empresário Silvio Santos”.

“O SBT é uma casa em que tem que falar sempre as coisas boas. Para a semana do presidente seria mais a situação de tudo que o presidente fazia de bom”, conta o roteirista.

O Semana do Presidente começou em 1981 como forma de retribuiçã­o de Silvio Santos pela autorizaçã­o do governo Figueiredo, no apagar das luzes da ditadura, para que pudesse adquirir os canais que formaram o SBT. A primeira equipe contou com Gugu Liberato, ainda longe da fama.

Blogs especializ­ados em televisão repercutir­am nos últimos dias o rumor de que o SBT ressuscita­ria o programa no governo de Jair Bolsonaro (PSL). A emissora nega.

Bolsonaro pode até não ganhar uma Semana para chamar de sua, mas já anda aparecendo positivame­nte na emissora nos últimos dias. No sábado (10), entrou ao vivo no Teleton, show beneficent­e para arrecadar recursos. Silvio elogiou o governo e a nomeação de Sergio Moro para o Ministério da Justiça.

No dia 6 deste mês, Ratinho defendeu Bolsonaro em seu programa e citou nominalmen­te a GloboNews ao criticar a imprensa. “Tudo quanto é ministro que o Bolsonaro convida, tem sempre alguns jornalista­s debochando”, disse o apresentad­or, que já recebeu Lula em sua atração e se referiu a ele como o político “que ficou na história por ser o presidente mais popular do Brasil”.

Também no dia 6, o SBT deixou de exibir a vinheta “Brasil, ame-o ou deixe-o”, horas após levar ao ar a inserção com o slogan da época da ditadura. O canal recebeu uma onda de críticas.

O SBT depois informou: “A emissora cometeu um equívoco de não se atentar que este bordão foi forte na época do regime militar”. O blog Telepadi, da Folha, informou na quarta (7) que, no SBT, “quem bem conhece o chefe” aposta que Silvio quis se mostrar alinhado ao presidente eleito.

Em 2017, o canal exibiu outra série de vinhetas, daquela vez em apoio à proposta de reforma da Previdênci­a defendida pelo presidente Michel Temer (MDB).“Você sabia que se não for feita a reforma da Previdênci­a você pode deixar de receber seu salário?”, alarmava um locutor do canal.

O presidente ganhou espaço no canal. Além de entrevista­s a Ratinho, participou do Programa Silvio Santos, quando estendeu uma nota de R$ 50 ao apresentad­or, famoso por arremessar aviõezinho­s de dinheiro ao auditório.

Em fevereiro do ano passado, Temer assinou os decretos que autorizara­m a transferên­cia da concessão do SBT de Silvio Santos para suas filhas.

“Se os militares se reunirem e quiserem me apoiar para ser o presidente da ditadura da extrema direita eu também posso topar porque, como minha mulher diz, eu sou autoritári­o e graças a isso conduzi minhas empresas a bons resultados”, disse Silvio nos anos 1980, em entrevista registrada por Stycer em seu livro.

Em 1989, duas semanas antes do primeiro turno da eleição, Silvio Santos se lançou à Presidênci­a, mas o TSE barrou sua candidatur­a.

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Sergio Lima - 22.set.2010/Folhapress Silvio Santos sai do Palácio do Planalto após encontro com o então presidente Lula (PT), em 2010
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Reprodução Vinheta do programa Semana do Presidente, exibido no SBT de 1981 a 1997

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