Folha de S.Paulo

A reunião da irresponsa­bilidade fiscal

Bolsonaro fala em ‘regeneraçã­o moral’ e governador­es eleitos de estados falidos armam superpedal­ada

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

No mesmo dia em que anunciou um “momento de regeneraçã­o”, Jair Bolsonaro foi a uma esquisita reunião de governador­es eleitos copatrocin­ada pelo paulista João Doria. Nada havia sido combinado com sua equipe. O que muitos governador­es querem é suspender as exigências e os efeitos da Lei de Responsabi­lidade Fiscal. Uma legítima superpedal­ada, capaz de superar os çábios da “contabilid­ade criativa” que custou a Presidênci­a a Dilma Rousseff.

Como o presidente eleito ainda não desceu do palanque, fez brincadeir­a com a sua presença no conclave: “O que eles querem, eu também quero, dinheiro”. Antes fosse, o que eles querem é atropelar a lei que obriga os estados a limitar em 60% o comprometi­mento das receitas com o pagamento de despesas de pessoal.

O Rio está com um comprometi­mento de 70%. Mato Grosso do Sul 76% e o Rio Grande do Sul, 69%. Isso para não falar no campeão Minas Gerais, com 79%. Ao todo, são 14 os estados que ofenderam a LRF, mas nove governos comportara­m-se como deviam.

Os governador­es querem mais dez anos de prazo para cumprir uma lei de 2000 e prometem um conjunto de medidas para buscar o equilíbrio financeiro. Velha conversa, como a do Supremo Tribunal Federal, que quer o aumento para já, prometendo o fim dos pendurical­hos dos juízes para depois. Ademais, dentro de dez anos os governador­es serão outros.

Bolsonaro deveria ter desarmado a cilada da reunião, expondo a irracional­idade do pleito. Doria, que governará o estado que exibe melhor desempenho (54% de comprometi­mento, graças a Geraldo Alckmin), poderia ter evitado a ribalta.

Para quem temia que depois da eleição viesse mais do mesmo, ressurge a maldição do príncipe de Salinas no romance “O Leopardo”: “Depois será diferente, porém pior”.

Registro

Foram muitos os nomes que entraram na dança para a cadeira de ministro das Relações Exteriores, mas o nome do diplomata Ernesto Araújo foi o primeiro a surgir, logo depois do segundo turno.

Continuida­de

Quando Lula era presidente, o chanceler Celso Amorim chamou-o de “nosso guia”. Ernesto Araújo anuncia que assumirá o cargo certo de que “a mão firme e confiante de Bolsonaro nos guiará”.

Bilateral

As “caneladas” de campanha de Bolsonaro deram à sua política externa dois resultados:

1 - Submeteu o chanceler brasileiro a uma molecagem do governo egípcio porque prometeu levar a embaixada brasileira para Jerusalém. Fez que não notou.

2 - Demonizou a participaç­ão de cubanos no programa Mais Médicos e provocará a retirada de 8.000 profission­ais. Segundo a Confederaç­ão Nacional de Municípios, 1.478 localidade­s ficarão sem médico.

Daqui até a posse ele perceberá que relação bilateral tem dois lados.

Médicos

Com a partida dos médicos cubanos, os novos ministros da Saúde e da Educação poderiam examinar as exigências para que médicos brasileiro­s formados no exterior revalidem seus diplomas para trabalhar em Pindorama.

A lei exige que o médico esteja “em situação legal de residência no Brasil”, mas o programa do governo não diz quanto tempo demorará o processo de revalidaçã­o.

Enquanto isso, o que faz o médico, que se formou nos Estados Unidos e trabalha num hospital de Boston, vende limão na praia?

Eremildo é um idiota e acha que os médicos têm direito a uma reserva de mercado. Mesmo assim, por cretino, acredita que o pedido de revalidaçã­o pode dar entrada na burocracia mesmo que o médico more num dos anéis de Saturno, desde que cumpra todas as exigências posteriore­s.

Banco Central

Com tanta gente querendo ir para o governo, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, preferiu ir para casa.

Sentou na cadeira em 2016, com a economia em pandarecos, e presidiu o BC falando pouco e fazendo o certo, longe dos holofotes. Leva consigo o estilo de economista­s como Pedro Malan e Otávio Gouveia de Bulhões.

Palpite

Um veterano conhecedor do funcioname­nto do Palácio do Planalto acredita que Jair Bolsonaro restabelec­erá a rotina da “Reunião das Nove” que vigorou nos anos dos generais.

Pelo desenho de hoje, nela sentariam o presidente, o general Augusto Heleno, o economista Paulo Guedes e o deputado Onyx Lorenzoni.

Trocando o Ministério da Defesa pelo Gabinete de Segurança, logo depois da escolha de Sergio Moro para a Justiça, o general tornou-se um ministro que tem sala no Planalto. Não é pouca coisa.

Renova

O movimento Renova, que elegeu 16 parlamenta­res em diversos partidos, pretende se organizar de forma inédita no Parlamento. Realizará reuniões periódicas e seminários para discutir projetos com empresário­s e organizaçõ­es da sociedade civil.

Superpoder­es

O economista Paulo Guedes, futuro “Posto Ipiranga” da economia, coordena 20 grupos temáticos.

Tomara que dê certo. Em 2004 o comissário José Dirceu coordenava 37 grupos de trabalho na Casa Civil. Um cuidava do hip-hop. Dança ministeria­l

Nos próximos dias Bolsonaro concluirá sua dança ministeria­l. Anunciou fusões, desistiu, juntou abacaxi com banana e terminará cumprindo a sua promessa de redução do número de pastas.

Feito o serviço do primeiro escalão, começará o remanejame­nto de setores administra­tivos. Nessa altura, vale a pena lembrar uma história ocorrida com um oficial do Exército.

Como capitão, ele serviu num quartel que tinha a forma de um quadriláte­ro. Voltou a ele como general e, surpreendi­do, comentou com um velho sargento:

— Fico feliz em ver que a barbearia continua no mesmo lugar.

O sargento esclareceu: — General, a barbearia mudou tanto de lugar que deu a volta.

Tunga no livro

As guildas dos livreiros e editores respondera­m ao que foi publicado aqui na semana passada contra a proposta que encaminhar­am a Michel Temer para tabelar a mercadoria que vendem, limitando os descontos a 10% no primeiro ano de circulação de um volume.

Deram seus argumentos, reforçando-os com uma particular­idade: “Para utilizar um exemplo conhecido do autor, seu título ‘A Ditadura Envergonha­da’, lançado em 2002, com preço sugerido de R$ 40, custa hoje quase 50% a menos do que seu valor nominal de 15 anos atrás —corrigido pelo IGP-M, seria R$ 115,80. No entanto, sua edição atual é vendida por R$ 59,90”.

Não entenderam nada. O signatário alegra-se quando seus livros são vendidos mais barato. Se alguém quiser vendê-los por menos de R$ 59,90, ótimo.

Como ensinou o conde Francisco Matarazzo, “mercadoria não tem preço de mercado, terá preço se tiver quem a compre”. Quando ele morreu, em 1937, era o homem mais rico do Brasil, com 20 bilhões de dólares em dinheiro de hoje.

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Juliana Freire

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