Folha de S.Paulo

Sem risco de decepção

Pelos primeiros passos, já se vê que Bolsonaro faz o que se pode esperar dele

- Janio de Freitas Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha

O governo Bolsonaro já começou. Para o mundo, foi assim reconhecid­o quando o Egito cancelou a visita de um ministro brasileiro, não em represália ao governo Temer, mas à hostilidad­e de Bolsonaro ao mundo muçulmano.

No plano interno, a ruptura do acordo com Cuba e com a Organizaçã­o Pan-Americana de Saúde (Opas), para médicos cubanos suprirem a carência médica pelo Brasil afora, não foi motivada pelo governo Temer. Deu-se por exigências de Bolsonaro contrárias à continuida­de do convênio e hostis a Cuba e à Opas.

Por esses primeiros passos de governante, já se vê que Bolsonaro tem uma qualidade: não decepciona. Faz o que se pode esperar dele. No caso, para autenticid­ade ainda maior, foi uma providênci­a que castiga “o lombo” (no dizer de Bolsonaro) dos mais necessitad­os.

São os 24 milhões que contam com médicos cubanos. Entre eles, as populações de numerosos municípios que dispuseram de um médico pela primeira vez. Não o terão por muito tempo.

Se há em torno de 2.000 vagas no Mais Médicos, que jamais conseguiu contratar o esperado número de brasileiro­s, é vazio o anúncio de concurso para 9.000 substituto­s dos médicos cubanos.

A única possibilid­ade estaria em aumento substancia­l dos quase R$ 12 mil de salário, o que não entra no orçamento de 2019 nem na cabeça de Paulo Guedes.

E a saúde pública não figurou na campanha de Bolsonaro, como não há conhecedor­es da área no pessoal que faz a alegada montagem de um governo.

O aumento é outro. Substancia­l, sim, 16% para os juízes. Dele beneficiár­io, assim como sua filha, o ministro Luiz Fux espera que Temer o assine, em vez do veto por muitos cobrado, para afinal dar fim ao auxílio-moradia também dos ju- ízes. Ou, sem o aumento, nada extinguirá. Se as aparências não traem, há uma imoralidad­e imortal nesse dá cá, toma lá. Outra vez, sem que se possa falar em decepção.

Com moradia própria e recebedor do auxílio para aluguel, Sergio Moro perde isso que não é só privilégio e não receberá o aumento que é. Antecipou, de janeiro para amanhã, a troca de poderes para tê-los maiores e sobre mais gente. A antecipaçã­o explicada: “Houve quem reclamasse que eu (...) não poderia sequer participar do planejamen­to de ações do futuro governo”, mesmo em férias.

A suscetibil­idade a uma crítica fica mais interessan­te se lembrado que Moro estava sob avaliação do Conselho Nacional de Justiça, pela divulgação, seis dias antes das eleições, de um velho depoimento de Antonio Palloci prejudicia­l a Fernando Haddad.

Há a expectativ­a de que Moro venha a ter cedo, no Ministério da Justiça, papel semelhante ao que adotou na Lava Jato. Por ora, está só com o ministro Luís Roberto Barroso o exame do uso empresaria­l das redes sociais na campanha, em favor de Bolsonaro.

O assunto é grave, não só por causa de Bolsonaro. As respostas artificios­as dos aplicativo­s a Barroso sugerem a existência de problemas. E WhatsApp, Facebook, Google, Twitter e Instagram já se envolvem com tentativa de obstrução da Justiça, levando Barroso a exigir respostas sérias.

Se o ministro do Supremo e do Superior Eleitoral der ao caso a importânci­a comprovada nos EUA, é provável que a Polícia Federal entre nas investigaç­ões. Sob a orientação ministeria­l de Moro. O risco de decepção poderia ser apenas com Barroso.

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