Folha de S.Paulo

Submarino argentino desapareci­do há um ano é achado no fundo do mar

Governo sofre pressão para resgatar corpos, mas ministro diz que país não tem meios para fazê-lo

- Sylvia Colombo

A novela do submarino argentino ARA San Juan, desapareci­do desde 15 de novembro de 2017, parecia ter chegado ao fim na madrugada deste sábado (17), quando a empresa americana Ocean Infinity, contratada pelo governo, confirmou que o objeto descoberto três dias antes era a embarcação perdida.

Havia 44 tripulante­s a bordo do ARA San Juan.

Os argentinos despertara­m no início de um fim de semana prolongado por conta do feriado de segunda-feira (comemoraçã­o da Batalha del Obligado) surpresos com a notícia.

“Parece positivo, mas e agora? Esses meninos vão ficar lá no fundo do mar?”, disse à Folha uma senhora que fazia compras em Buenos Aires.

“Não pode ser como na Guerra das Malvinas, morrem pela pátria e ficam jogados por aí”, disse, se referindo aos corpos dos argentinos mortos no conflito com a Inglaterra, em 1982, até hoje enterrados nas próprias ilhas.

Há sentimento­s misturados também por parte dos familiares dos tripulante­s, hoje divididos em grupos. Há os que participam ativamente das buscas e defendem o governo e outros que preferem uma atitude crítica.

“Estivemos mais de 50 dias acampados diante da praça de Maio (em Buenos Aires) e o presidente apenas nos recebeu por dez minutos, pedindo que retirássem­os o acampament­o dali”, contou Marcela Moyano, mulher do tripulante Hernán Martínez.

Imagens feitas por um robô de busca da Ocean Infinity foram mostradas ao grupo de familiares dos tripulante­s reunido em Mar del Plata –suposto destino final da embarcação que deixou a Terra do Fogo em 25 de outubro de 2017.

Em conversa telefônica com a Folha, Marcela afirmou que não se sentiu bem ao receber a notícia. “Foi terrível, pois quando alguém está desapareci­do, o luto não é completo. Saber que o submarino foi encontrado nos arranca o que restava de esperança. Mas agora começa outra luta, para que se retirem os corpos dali”, disse ela.

A reação dos parentes e dos argentinos de modo geral é de que, se uma novela terminou, outra acaba de começar.

O governo já parece ter se dado conta de que a pressão para descobrir o que ocorreu e para resgatar os corpos dos tripulante­s será grande.

Neste sábado, o ministro da Defesa, Oscar Aguad, confirmou que as imagens mostradas até agora levam a crer que houve uma implosão (não uma explosão como se havia dito antes) do submarino, que o mesmo se encontrava a aproximada­mente entre 800 e 900 metros de profundida­de, e que o incidente provavelme­nte teria ocorrido duas horas depois do último contato.

Aguad disse que agora as autoridade­s vão investigar o que aconteceu e decidir se é possível ou não remover os corpos. “Não temos meios para descer a essa profundida­de e realizar um resgate dessa escala, não possuímos a tecnologia para isso. Devemos esperar para ver o que diz a Justiça”, afirmou, em entrevista. Não descartou, porém, que o resgate ocorra.

No começo da noite, a juíza que cuida do caso, Marta Yáñez, disse que, por enquanto não pedirá o resgate da embarcação que, cheia de água, poderia pesar 2.500 toneladas. “Isso significar­ia arriscar mais vidas humanas”, concluiu. Por enquanto, ela aguardará mais imagens e informaçõe­s relacionad­as ao estado do submarino.

O presidente Mauricio Macri fez um rápido pronunciam­ento à noite e decretou três dias de luto. “Agora se abre uma etapa de investigaç­ões para conhecer toda a verdade”.

Nada foi dito pelo presidente sobre um possível resgate da embarcação.

Por sua vez, o porta-voz Enrique Balbi, que os argentinos se acostumara­m a ver na época do acidente, reapareceu e deu as primeiras conclusões sobre o descobrime­nto.

Explicou que a área em que foi encontrado —cerca de 460 km da costa da província de Chubut— já havia sido rastreada, mas não com a tecnologia suficiente para visualizar a embarcação, “pois é uma área de visibilida­de muito ruim”.

Ele reafirmou que o que na época ele mesmo chamou de “falha hidroacúst­ica”, registrada por radares horas depois do último contato, era realmente o colapso da embarcação, provavelme­nte por conta da implosão. Afirmou que o corpo do submarino, onde estavam os tripulante­s, parece intacto, mas que as pontas pareciam comprometi­das e cheias de fissuras.

Na quinta (15), Macri havia estado em Mar del Plata com as famílias e disse que estava preparada a bandeira com a qual se cobriria a embarcação quando fosse descoberta. Neste sábado, o que então parecera somente uma frase estra-

nha levantou suspeitas dos familiares. “Alguns de nós estamos pensando que talvez eles já soubessem que iam encontrar logo o submarino” disse Graciela Vallejos.

O desapareci­mento havia colocado em choque Macri e as Forças Armadas. Na época, ele e o ministro Aguad se irritaram ao serem informados do desapareci­mento pela imprensa e depois por não receber os boletins atualizado­s.

O comandante da Marinha acabou afastado quando, meses depois, as buscas não davam resultado.

A Ocean Infinity cobrará US$ 7,5 milhões pela descoberta, após haver rastreado mais de 7.000 km² no mar.

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Marina Devo/Reuters Parente de tripulante do submarino ARA San Juan fala a jornalista­s em Mar del Plata, na Argentina

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