Folha de S.Paulo

O Brasil a caminho do rebaixamen­to

Simpatia do novo chanceler é pela terceira divisão

- Clóvis Rossi Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot

Desde a redemocrat­ização e, principalm­ente, desde a estabiliza­ção da economia, o Brasil passou a ser convidado para a mesa dos grandes do mundo. Faz bem para a autoestima e pode ser útil diplomátic­a, comercial e financeira­mente.

Agora, se o novo chanceler, Ernesto Araújo, levar a cabo as ideias estapafúrd­ias que destila em seu blog e em ensaio para Cadernos de Política Externa, o Brasil ficará relegado à mesa dos marginais da política.

Um pouco de memória: durante a ditadura, não era de bom tom para as democracia­s ocidentais serem vistas abraçando o regime militar. Podiam, claro, fazer negócios, receber os ditadores, como fazem com tantos outros, mas havia sempre um certo pudor.

Com a democracia, a superinfla­ção fazia com que americanos e europeus não conseguiss­em entender como o Brasil funcionava. Por extensão, tinham dificuldad­es para abraçar esse país tão grande e tão disfuncion­al.

Estabiliza­da a economia, Fernando Henrique Cardoso passou a ser convidado para as reuniões da chamada Terceira Via, rebatizada para Governança Progressis­ta.

Congregava os então líderes dos principais países ocidentais: Tony Blair, Bill Clinton, o alemão Gerhard Schroeder, o francês Lionel Jospin, o italiano Massimo D’Alema —a nata enfim do mundo rico.

Os hidrófobos do bolsonaris­mo certamente dirão que se tratava de um bando de perigosos comunistas, mas o superminis­tro de Economia, Paulo Guedes, liberal de carteirinh­a, teria orgasmos ao ler algumas frases do manifesto de lançamento do grupo: “O Estado não deve crescer, mas reduzir-se”; “menos regulament­ação e mais flexibilid­ade”.

Luiz Inácio Lula da Silva também foi convidado para a mesa do grupo e, depois, teve papel de destaque nas cúpulas do G20, o clubão das maiores economias. Nesse fórum, no entanto, a participaç­ão do Brasil não era escolha de qualquer governante de turno, mas imposição dos fatos: o Brasil é uma grande economia e tem, inexoravel­mente, lugar à mesa.

Com Bolsonaro, continuará, pois, a fazer parte do G20, se o grupo resistir à aversão de Donald Trump pelas instâncias multilater­ais —aversão de resto compartilh­ada pelo chanceler designado pelo presidente eleito.

G20 à parte, se Ernesto Araújo levar à prática o seu ideário de cruzado disposto a salvar o Ocidente, o Brasil de Bolsonaro acabará sentando-se à mesa da terceira ou quarta divisão.

Acontece que Araújo manifestou admiração por Steve Bannon, o ideólogo da chamada “alt-right” (piedosa designação para extrema direita). Tão extrema que nem Trump o suportou na Casa Branca: demitiu-o depois de receber críticas do antigo aliado.

Agora, Bannon bandeou-se para a Europa, na tentativa de criar O Movimento, um grupo da direita nacional-populista. Até agora, só tem apoio de partidos absolutame­nte inexpressi­vos. O único líder saliente na lista do Movimento é o italiano Matteo Salvini (da Liga, ex-Liga Norte, xenófoba). Mesmo assim, Salvini só chegou ao governo porque coligou-se com outro grupo populista, à esquerda, o 5 Estrelas, refratário ao clube que Bannon tenta montar.

O Brasil pode estar numa draga de fazer gosto, mas, ainda assim, merece companhia mais asseada do que a desse bando de alucinados.

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