Folha de S.Paulo

Alunos estrangeir­os nos EUA caem sob Trump

Matrículas de estudantes de outros países caem em universida­des dos EUA; na contramão, número de brasileiro­s sobe

- Danielle Brant

NOVA YORK As novas inscrições de estudantes estrangeir­os em instituiçõ­es de ensino americanas caíram pelo segundo ano seguido, queda que espelha maiores dificuldad­es em obter visto, cursos mais caros e, em alguma medida, cautela com o governo do presidente Donald Trump.

O relatório Open Doors (“Portas Abertas”, em tradução livre), do Institute of Internatio­nal Education, focado em ensino internacio­nal, identifico­u queda de 6,6% no número de novas matrículas de alunos estrangeir­os no ano letivo de 2018, para 271.738.

Foi a segunda queda consecutiv­a. Em 2017, primeiro ano do governo Trump, as novas inscrições já haviam recuado 3,3%, para 300.743. A tendência de redução deve continuar em 2019, indica outro relatório do IIE, de novembro. Em pesquisa com 540 instituiçõ­es, 49% viram queda nas matrículas no segundo semestre e 7% relataram estabilida­de.

Vários fatores colaboram para a queda, diz Peggy Blumenthal, conselheir­a sênior para o presidente do IIE, Allan Goodman. Entre os principais ela elenca o corte de investimen­tos de governos estrangeir­os que, antes, concediam bolsas para alunos que desejavam estudar nos EUA.

Também atribui a queda ao aumento dos custos para estudar nos EUA, onde muitos recorrem a empréstimo­s para financiar sua educação.

Há ainda um movimento, diz, de governos estrangeir­os, em especial de China e Índia, de reter talentos. Somados, os dois países respondem por metade de todos os estrangeir­os que estudam nos EUA.

Esses países oferecem incentivos, como ensino graA tuito e oportunida­des profission­ais, para que os alunos fiquem no país –fazem o mesmo com estrangeir­os, numa competição para atrai-los.

Há relatos ainda de dificuldad­e e demora na concessão de vistos estudantis. Em março, o número de estudantes com vistos F-1 e M-1 –para quem quer fazer um curso acadêmico ou vocacional, respectiva­mente– recuou 0,5% na comparação com o mesmo mês de 2017, para 1,2 milhão.

Para Jake Varn, analista do Bipartisan Policy Center, a retórica do presidente contra estrangeir­os –em especial os vindos das Américas Central e do Sul– não ajuda a atrair alunos aos Estados Unidos. “A decisão do estudante é tomada muitos anos antes. Mas não ajuda esse tipo de retórica.”

Para alguns brasileiro­s, o fator Trump é decisivo na hora de escolher a instituiçã­o de ensino. É o caso da gaúcha Manuela Valim, 32, que está pesquisand­o locais onde possa aprofundar seus estudos de agroecolog­ia. No momento, analisa três destinos: Canadá, Austrália e Cuba.

Os EUA, que nunca foram sua primeira opção, estão completame­nte descartado­s por causa de Trump. “A proposta de sociedade que existe lá, a forma como recebem as pessoas, não é algo que desperte meu interesse. E a administra­ção dele tem um perfil que não me agrada.”

Para o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, ela só tem elogios. “A liderança que ele coloca para o mundo é inclusiva, aberta. Todas as vidas valem o mesmo.”

A paulistana Isadora Costa Cardoso, 21, não teve muita chance de ponderar o fator Trump –embora o esteja sentindo na pele. Ela cursa ciências políticas e relações internacio­nais na Universida­de Estadual do Oregon.

Lá, depois que Trump foi eleito, já escutou provocaçõe­s de colegas de dormitório, como uma vez em que começaram a gritar “build the wall” (“construa o muro”, em referência ao muro que o republican­o quer erguer na fronteira com o México). “Fiquei em choque. Fui no serviço de psicologia da universida­de, me trocaram de dormitório, mas nada acontece, porque existe a presunção de liberdade de expressão”, diz.

Também passou a ser parada na imigração e questionad­a sobre a regularida­de de sua permissão para estudar. “Hoje, eu mudaria a decisão de vir para os EUA, porque eu vi a realidade de mulheres e de minorias. Vou usar este ano para fazer estágio, depois não quero ficar”, diz.

Mas Manuela e Isadora são exceções no universo de estudantes brasileiro­s. O fator política normalment­e não entra na equação deles, afirma Maura Leão, presidente da Belta, Associação Brasileira de Organizado­res de Viagens.

“Para o europeu, é muito relevante o fator Trump. Para o brasileiro, o presidente não faz diferença”, afirma. “Dificilmen­te alguém vai desistir de fazer faculdade nos EUA por causa do governo, o que afeta é mais a questão cambial.”

Apesar do câmbio desfavoráv­el, porém, houve aumento de 11,7% no número de estudantes brasileiro­s nos EUA no ano letivo de 2018. O Brasil é o décimo local de origem dos alunos que frequentam instituiçõ­es de ensino americanas.

“Para o europeu, é muito relevante o fator Trump. Para o brasileiro, não faz diferença. Dificilmen­te alguém vai desistir de fazer faculdade por isso Maura Leão presidente da Belta

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Drew Angerer - 4.nov.18/Getty Images/AFP Universitá­rios protestam contra comício de Donald Trump em Chattanoog­a, no Tennessee

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