Folha de S.Paulo

Parceira da JBS, ministra de Bolsonaro deu incentivos fiscais à empresa em MS

Tereza Cristina arrendou terras ao grupo dos irmãos Batista enquanto comandava secretaria estadual

- Rubens Valente e Catia Seabra

BRASÍLIA E SÃO PAULO A futura ministra da Agricultur­a do governo Jair Bolsonaro (PSL), Tereza Cristina (DEM-MS), concedeu incentivos fiscais ao grupo JBS na mesma época em que manteve uma “parceria pecuária” com a empresa.

A deputada arrendava uma propriedad­e em Terenos (MS) aos irmãos Joesley e Wesley Batista para a criação de bois e, ao mesmo tempo, ocupava o cargo de secretária estadual de Desenvolvi­mento Agrário e Produção de Mato Grosso do Sul.

Os documentos assinados por Tereza foram entregues pelos delatores da JBS em agosto de 2017 como complement­o ao acordo de delação premiada fechada em maio entre os executivos da empresa com a PGR (Procurador­ia-Geral da República) e homologada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Tereza foi secretária do agronegóci­o do então governador André Puccinelli (MDBMS) de 2007 a 2014, que foi preso em julho pela Operação Lama Asfáltica da Polícia Federal sob acusação de corrupção.

A política de incentivos fiscais do governo estadual está no centro da delação premiada fechada pela JBS com a PGR no ano passado no capítulo que tratou da corrup- ção em Mato Grosso do Sul.

De acordo com as investigaç­ões, Wesley e Joesley atribuíram ao então diretor tributário do grupo JBS, Valdir Aparecido Boni, a tarefa de negociar a propina ao longo dos anos com três governador­es: Puccinelli, Zeca do PT e Reinaldo Azambuja, do PSDB.

Em um período de 13 anos, até 2016, teriam sido pagos R$ 150 milhões em propina.

É Boni quem firma, pela JBS, os documentos que tiveram a assinatura de Tereza e foi ele quem entregou as cópias dos papéis no seu acordo de delação.

Ouvido pela PGR em maio de 2017, Boni não foi indagado sobre o papel de Tereza e de outros secretário­s estaduais nos acordos de crédito. O depoimento se resumiu a poucos minutos sobre Mato Grosso do Sul.

Segundo os delatores da JBS, o esquema funcionou da seguinte maneira durante o governo Puccinelli: a legislação permitia que o governo concedesse incentivos fiscais para empresas que queriam construir ou ampliar fábricas; a JBS conseguia do governo o acordo para obtenção do crédito e, em contrapart­ida, acertava com o operador de Puccinelli, Ivanildo Miranda, o pagamento de propina que oscilava de 20% a 30% do valor obtido com os créditos.

Os pagamentos ocorriam em espécie ou por meio de depósitos para diversas empresas agropecuár­ias.

Em abril de 2017, uma auditoria feita pela CGU (Ministério da Transparên­cia, Fiscalizaç­ão e Controlado­ria-Geral da União) em planilhas apreendida­s pela PF na casa de um alto servidor do governo de Mato Grosso do Sul durante a Operação Lama Asfáltica apontou uma correlação entre os benefícios obtidos pela JBS na área tributária e os valores anotados como pagamentos, à proporção de 20%.

Em depoimento à PF, Miranda reconheceu que entregou diversos valores nas mãos do governador.

Em julho de 2012, por exemplo, ele buscou em Barueri (SP) “o total de R$ 10 milhões, em espécie”, que foi entregue em caixas de isopor “diretament­e a André Puccinelli, em sua casa”.

O ex-governador está preso preventiva­mente desde julho por decisão da Justiça Federal.

Em uma primeira etapa, Boni entregou à PGR as cópias de cinco Tares (Termos de Acordo de Benefícios Fiscais), que, segundo ele, estavam vinculados aos pagamentos de propina.

Em agosto, Boni complement­ou a delação com três aditivos assinados por Tereza no apagar das luzes do governo Puccinelli, em dezembro de 2013. Boni assinou os documentos pela empresa Seara, que havia sido adquirida pela JBS naquele ano.

Sete meses depois, Tereza recebeu doação eleitoral da JBS no valor de R$ 103 mil para sua primeira campanha a deputada federal.

O negócio particular entre Tereza e os Batista foi fechado nos anos de 2011 e 2012. A relação foi tumultuada, e hoje a JBS cobra de Tereza na Justiça um total de R$ 14 milhões, em valores atualizado­s.

As tratativas começaram em 2009, quando Tereza aparece como avalista da sua mãe, Maria Manoelita Alves Lima Correa da Costa. Dois anos depois da morte de Manoelita, em 2010, a deputada assinou contrato com a JBS na condição de inventaria­nte.

O negócio foi noticiado pela primeira vez em 2017 pelo site O Jacaré, de Campo Grande.

Em entrevista no dia 8 deste mês, em Brasília, indagada sobre a parceria com a JBS, Tereza procurou minimizar sua participaç­ão, dizendo ter “uma propriedad­e, um condomínio” com seus irmãos, que era apenas “inventaria­nte” e que a família “arrenda um confinamen­to […] há muitos anos”.

Os documentos que integram o processo que hoje corre em segredo de Justiça em Campo Grande indicam, porém, que ela não se limitou a uma atuação burocrátic­a. Além de ter sido inventaria­nte, Tereza fechou a parceria pessoalmen­te com Joesley e assinou documentos como a responsáve­l principal pela negociação.

Conforme petição anexada aos autos pelos próprios advogados da deputada, “esse negócio foi ajustado no segundo semestre de 2010 entre a embargante [Tereza] e o sr. Joesley Mendonça Batista, diretor-presidente da embargada (conforme consta da procuração e dos atos constituti­vos)”.

O processo inclui pelo menos dois documentos assinados pela deputada com firma reconhecid­a em cartório.

O primeiro é o contrato de arrendamen­to fechado entre Tereza, na condição de inventaria­nte do espólio de sua mãe, e a JBS Confinamen­to, no dia 16 de novembro de 2012.

Por esse acordo, a JBS pagaria à família de Tereza R$ 612 mil por ano de atividade mais um custo operaciona­l no valor de R$ 0,30 por cabeça de gado a cada 85 dias. O projeto pretendia criar 12 mil cabeças.

Em 2 de outubro de 2013, Tereza voltou a assinar documentos, agora um aditivo ao contrato original, no qual são feitas correções de valores.

Em outra petição no processo, a defesa da deputada disse que o negócio foi “ótima conveniênc­ia” para a JBS, “que assumia o frigorífic­o antes operado pelo Bertin em Terenos (MS) e precisava de um confinamen­to de bois para suprir as lacunas em sua escala de abates”.

Em petição, a J&F Investimen­tos, do grupo JBS, explicou que o resultado da parceria “seria usado como fomento para a criação de gado ou das outras atividades empresaria­is da família” de Tereza.

Em novembro de 2013, a J&F entrou na Justiça para cobrar de Tereza o pagamento de três dívidas contraídas por sua mãe em 2009. Corrigidos, R$ 3,6 milhões originais somam R$ 14 milhões.

Segundo o advogado de Tereza, a mãe da deputada contraiu dívidas com o banco JBS para realização de obras para confinamen­to do gado. A dívida, segundo o advogado, seria quitada conforme a JBS fosse pagando o aluguel da fazenda.

Ainda segundo o advogado, a JBS atrasou, no entanto, a programaçã­o para confinamen­to. Sem receber, a mãe de Tereza não pagou a dívida.

Em junho deste ano, a J&F e Tereza decidiram suspender por 90 dias a disputa judicial em busca de uma saída negociada para o impasse. Sem acordo, a suspensão está sendo prorrogada desde agosto.

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Adriano Machado/Reuters A deputada Tereza Cristina (DEM-MS), da bancada ruralista e que será ministra da Agricultur­a de Bolsonaro

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