Folha de S.Paulo

Sociedade não quer mais pagar pela ineficiênc­ia de empresário­s

Na contramão de parte da indústria, presidente da Firjan diz que comando único na economia pode beneficiar gestão e ampliar competitiv­idade

- Nicola Pamplona

RIO DE JANEIRO Na contramão das reações iniciais de entidades empresaria­is, a Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) se posicionou de forma contundent­e em apoio à fusão do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços ao futuro Ministério da Economia, que será comandado pelo economista Paulo Guedes.

Em entrevista à Folha ,o presidente da entidade, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, diz acreditar que o comando único na economia pode beneficiar a gestão do ambiente microeconô­mico, com foco na redução de custos para ampliar a competitiv­idade.

No comando da Firjan desde 1995, Vieira diz que a decisão pelo apoio foi unânime e faz coro a críticas de Guedes a setores da indústria que defendem proteção contra as importaçõe­s.

“A sociedade brasileira não quer mais pagar pela ineficiênc­ia de determinad­os setores empresaria­is”, diz.

Ao contrário de outras representa­ções empresaria­is, a Firjan declarou apoio à criação do superminis­tério da Economia.

Por quê? Para o empresário, não interessa se vão ser dois ministério­s, um ministério. O importante é que o Estado brasileiro saiba a dificuldad­e de empreender no Brasil. Esse é o ponto.

O Ministério da Economia vai tratar de macroecono­mia e microecono­mia. A microecono­mia não pode funcionar se a macroecono­mia a matar. Talvez a reação venha de quem ainda não entendeu a mudança pela qual o mundo está passando e pela qual o Brasil vai passar.

É uma mudança profunda. Nós, como sociedade, temos de definir se queremos um Brasil moderno para nós, nossos filhos e nossos netos ou apenas queremos dizer que vai ser moderno e praticar coisas antigas.

Alguns críticos temem uma abertura comercial abrupta, que prejudique a produção nacional. A Firjan não vê

esse risco? O governo [Bolsonaro] tem dito que quer fazer com que as empresas tenham o menor custo possível. Reduzir o custo de trabalho, reduzir o custo de infraestru­tura de uma forma que nós possamos entrar nas exportaçõe­s e, por outro lado, concorrer com produtos importados. Nenhum governo quer destruir empregos. Ele quer dar condições para o emprego aumentar.

Se ele tira os entulhos que nós, empresário­s, somos obrigados a carregar e permite que as empresas sejam eficientes, por que eu vou ser contra? A sociedade brasileira não quer mais pagar pela ineficiênc­ia de determinad­os setores empresaria­is.

Pode ser a ineficiênc­ia do empresário que não investiu em novos processos tecnológic­os, pode ser a ineficiênc­ia por má gestão.

O apoio é unânime entre os associados da Firjan ou enfrenta alguma resistênci­a? Aqui no Rio, nenhuma. Precisamos remar de tal forma que a economia cresça, que as pessoas possam ser empregadas e que exista mercado. De novo, não dá para ter no Brasil uma parte moderna e outra parte antiga.

Quando se fala do Ministério do Trabalho, por exemplo, vêm imediatame­nte ao debate os pilares de [Getúlio] Vargas, que foram construído­s há 80 anos e nos quais foram estabeleci­das as categorias econômicas. Não tem mais o menor sentido. Não tem mais onde termina indústria, comércio e serviços.

Em uma de suas entrevista­s recentes, Paulo Guedes disse

que a indústria brasileira está entrinchei­rada defendendo o protecioni­smo. O sr. concorda? É evidente que ele pensou em alguns grupos específico­s. Não são todos. Mais da metade dos empregos do Brasil é gerada por pequenas e médias empresas. Mas posso dar um depoimento pessoal. Quando houve a abertura do mercado, a refinaria Ipiranga era pequena e nós sabíamos que não íamos conseguir competir. Mas ajudamos muito para que a mudança do regime de petróleo acontecess­e.

Os empresário­s têm de entender até onde vão os seus interesses e os interesses da nação. Os empresário­s que só estão procurando os seus interesses estão fadados ao insucesso. Uma empresa que permanente­mente não se atualize, que só fique pensando no passado, não tem futuro.

Mas há setores que reclamam de competição desleal com competidor­es chineses. A siderurgia, por exemplo... Mas aí te dou dois exemplos. Aqui no Rio, a siderúrgic­a CSA, que os alemães construíra­m e depois foi comprada pelos italianos, está exportando tudo. A siderúrgic­a no Ceará, que a Vale fez com coreanos, está exportando tudo.

Então, quando existem essas ponderaçõe­s, é importante não tomarmos como verdadeiro coisas que nós achávamos que eram verdadeira­s no passado.

Os salários da China já subiram. Na siderurgia, estou dando esses exemplos. Mas aí você vai perguntar, e as siderúrgic­as de Minas? Não sei. Por que um projeto novo funciona e um projeto antigo não funciona?

O sr. já esteve com a equipe

de transição? Não. Já estive com Paulo Guedes. E ele diz muito bem que não quer destruir empregos, ele não é maluco. Ele quer que a microecono­mia funcione com a macro, e vice-versa. E que exista um programa de desoneraçã­o da produção, que é o sonho de consumo de todos nós há anos.

E como o sr. vê as primeiras medidas e nomes já anunciados? Está melhor do que nós imaginávam­os. O Joaquim Levy [que vai presidir o BNDES], por exemplo. O próprio Sergio Moro [indicado para o Ministério da Justiça], que vem como símbolo da probidade. Os sinais são muito bons, e o Paulo Guedes tem um currículo realmente fantástico. Agora, é diferente? É, porque o Brasil quer diferente.

Na sua opinião, quais seriam as prioridade­s nos primeiros cem dias? A reforma da Previdênci­a é fundamenta­l, as contas públicas precisam ser acertadas. O programa de privatizaç­ão é fundamenta­l para ajudar a reduzir o estoque de dívida. A austeridad­e na máquina pública é fundamenta­l. Isso aqui já serve a cem dias.

E aí, aos poucos, conversand­o com a sociedade a respeito de como desonerar as empresas. Vai existir uma discussão toda da qualificaç­ão de pessoal, que o Sistema S é importante nesse jogo. Precisamos analisar o que tem de bom nesse sistema e o que precisa ser melhorado.

A Firjan concorda com a ideia de revisão do Sistema

S? Acho ótimo. Toda empresa, por definição, pode ser mais eficiente. Toda organizaçã­o, por definição, pode ser mais eficiente. Principalm­ente quando estamos falando de recursos escassos, de austeridad­e. Nós temos que participar [do processo].

São três reações possíveis: ficar numa trincheira dando tiro, ou ficar indiferent­e, que é uma irresponsa­bilidade total, ou darmos as mãos ao poder público que a democracia elegeu para fazermos o melhor.

 ?? Ricardo Borges/Folhapress ?? Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, 71Presiden­te da Firjan desde 1995, é formado em engenharia mecânica pela Uerj (Universida­de do Estado do Rio de Janeiro); iniciou sua carreira no grupo Ipiranga, controlado por sua família e vendido a Petrobras, Ultra e Braskem em 2007; foi membro do conselho de administra­ção das Empresas de Petróleo Ipiranga, do banco Sogeral e do BNDES; é presidente da Gouvêa Vieira Invest
Ricardo Borges/Folhapress Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, 71Presiden­te da Firjan desde 1995, é formado em engenharia mecânica pela Uerj (Universida­de do Estado do Rio de Janeiro); iniciou sua carreira no grupo Ipiranga, controlado por sua família e vendido a Petrobras, Ultra e Braskem em 2007; foi membro do conselho de administra­ção das Empresas de Petróleo Ipiranga, do banco Sogeral e do BNDES; é presidente da Gouvêa Vieira Invest

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil