Folha de S.Paulo

Os erros de Krugman

Melhor que o Nobel estude mais antes de escrever sobre economia da qual nada entende

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

Em artigo publicado no dia 9 no jornal The New York Times e reproduzid­o pela Folha, o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman argumentou que a crise brasileira é fruto de três fatores: queda dos preços das commoditie­s, excesso de endividame­nto das famílias e política monetária e fiscal contracion­ista.

Concordand­o com os economista­s heterodoxo­s brasileiro­s, a crise é essencialm­ente culpa do ajuste fiscal de Joaquim Levy.

A atual crise representa a maior perda de PIB, a segunda maior de PIB per capita e a recessão mais longa dos últimos 120 anos. No atual episódio, os termos de troca caíram 11%, se consideram­os a média para os quatro anos findos no ano da crise em comparação aos quatro anos posteriore­s.

Nos outros quatro episódios, a queda equivalent­e foi de 44% para a crise de 1914, 32% em 1930, 32% em 1981 e 7% em 1990. Adicionalm­ente, o nível dos termos de troca no atual episódio, após a queda, ainda se manteve historicam­ente elevado.

Finalmente, esse foi um período de juros internacio­nais extremamen­te baixos, condição muito favorável para uma economia que importa capitais.

Houve uma elevação do endividame­nto das famílias, mas muito pior foi o endividame­nto das empresas —por exemplo, a Petrobras, que, sozinha, chegou a ser responsáve­l por 8% de todo o investimen­to nacional, atingiu um nível de dívida equivalent­e a cinco vezes a geração de caixa. Na prática, estava quebrada. Evidenteme­nte, o investimen­to foi cortado.

Histórias com essa aplicamse para indústria naval, toda a cadeia de óleo e gás, setor sucroalcoo­leiro e para diversas construtor­as que se prepararam para atender os ambiciosos e irrealista­s cronograma­s do Minha Casa, Minha Vida.

Adicionalm­ente houve claros sinais de sobreinves­timento na indústria automobilí­stica e toda sua cadeia produtiva.

O diagnóstic­o heterodoxo de crise keynesiana clássica de carência de demanda é incompatív­el com juros reais elevados e inflação também.

A política fiscal esteve longe de ser particular­mente contracion­ista. As taxas de cresciment­o real do gasto primário nos anos de 2012 até 2016 foram respectiva­mente de 5,8%, 7,7%, 6,0%, -3,2% e 2,1%. Note que em nenhum ano o gasto primário cresceu abaixo do PIB. Estranho uma queda em cinco anos produzir esse estrago.

Finalmente, considerar a política monetária muito contracion­ista não faz o menor sentido, dada a experiênci­a brasileira. As estimativa­s indicam que a taxa de juros neutra no Brasil era, em 2015, da ordem de 5,5%.

O ciclo de alta das taxas de juros iniciou-se no primeiro semestre de 2013, após a inflação do tomate, e terminou em meados de 2015, com a taxa a 14,25%. Na média de 2015, a taxa real, consideran­do a inflação futura, rodou em torno de 7,5%, dois pontos percentuai­s acima da taxa neutra.

Para termos uma comparação com episódios passados, em 2003 a taxa de cresciment­o do gasto público foi de -3,7%, e o juro real foi de 13%. O cresciment­o foi 1,1%, e não a queda de 3,5% que tivemos em 2015.

Se Krugman tivesse olhado a evolução da inflação de serviços, o componente que responde à demanda, notaria que ela rodou em torno de 9% ao ano até o fim de 2016.

Achar que uma crise que se inicia no segundo trimestre de 2014, com queda de investimen­to desde o quarto trimestre de 2013 e tendo serviços rodando a 9% até o fim de 2016, se deve à carência de demanda agregada é verdadeira estultice.

Melhor que, da próxima vez em que Krugman for escrever sobre uma economia da qual ele nada entende, estude um pouco mais.

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