Folha de S.Paulo

Diálogos com a realidade

Os seriados ‘Bodyguard’, ‘Sob Pressão’ e ‘Ilha de Ferro’ flertam com a política

- Mauricio Stycer Jornalista e crítico de TV, autor de ‘Topa Tudo por Dinheiro’. É mestre em sociologia pela USP

Disponível no cardápio da Netflix desde o final de outubro, “Bodyguard” é um thriller político dos bons. Produzido pela BBC, foi exibido originalme­nte no Reino Unido entre agosto e setembro deste ano. O sexto e último episódio se tornou o programa de televisão mais visto naquele país neste ano, com exceção, é claro, de partidas de futebol da Copa do Mundo na Rússia.

Traduzida no Brasil, sabese lá a razão, como “Segurança em Jogo”, a série conta a história de um veterano de guerra, hoje atuando como policial de elite, na função de principal guarda-costas da ministra do Interior.

A experiênci­a no Afeganistã­o deixou David Budd (Richard Madden) com transtorno de estresse pós-traumático. Ele é um policial brilhante, porém atormentad­o, enfrentand­o dificuldad­es no casamento.

Já sua chefe, Julia Montague (Keeley Hawes), vive uma feroz disputa de poder, tentando tornar mais dura a legislação britânica contra o terrorismo, o que implica a redução da privacidad­e dos indivíduos.

Ainda no primeiro episódio, Budd se dá conta que a visão política da ministra a quem cabe proteger é diametralm­ente oposta à sua. Este pequeno spoiler (desculpe) fica como um aperitivo das tramas intrincada­s, que misturam batalhas entre diferentes braços do ministério, bastidores de polícia e máfia.

Pura ficção, “Segurança em Jogo” tem o charme de brincar com elementos da realidade. Qualquer espectador, mesmo não sendo britânico, é capaz de se divertir imaginando eventuais paralelos com o mundo real que a série sugere.

Nos últimos anos, apesar da abundância de matéria-prima, a teledramat­urgia brasileira tem se arriscado muito pouco neste terreno. Com exceção talvez de “O Brado Retumbante” (2012), de Euclydes Marinho, e “Filhos da Pátria” (2017), de Bruno Mazzeo, a política, quando aparece em novelas ou séries, tem sido quase sempre um pano de fundo, um elemento decorativo, sem peso algum na trama.

Sugiro observar duas séries em exibição no momento que flertam com a política.

A mais interessan­te, na minha opinião, é “Sob Pressão”, de Jorge Furtado. Nesta segunda temporada, o drama médico, ambientado num hospital público na zona norte do Rio de Janeiro, resolveu colocar uma lente sobre as relações entre saúde e governo.

Sem perder nada em qualidade, na comparação com a primeira temporada, aliás, ao contrário, “Sob Pressão” decidiu descrever como interesses privados podem corromper um serviço público de primeira necessidad­e. O sexto episódio, exibido nesta última terça (13), é exemplar do impacto que a boa ficção pode ter —emocionant­e, triste e cativante.

A política também aparece em “Ilha de Ferro”, de Max Mallmann e Adriana Lunardi, uma série produzida para o serviço de streaming da Globo, disponível aos assinantes desde a última quarta-feira (14). Tratase de um drama pesado, que mistura situações de tensão e terror vividas em uma plataforma de petróleo e os muitos problemas pessoais dos funcionári­os tanto no mar quanto em terra.

Uma das protagonis­tas é Júlia (Maria Casadevall), gerente da plataforma. Como o avô, o petroleiro e sindicalis­ta João Bravo (Osmar Prado), ela defende que “o petróleo é nosso”. Mas é pressionad­a pelo pai, Horácio (Herbert Richers Jr.), ministro das Minas e Energia, a adotar princípios neoliberai­s na gestão do negócio.

Em tempo: as três novas séries citadas têm uma outra caracterís­tica elogiável em comum —muitas mulheres em posições de destaque nos papéis principais e em tramas paralelas.

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