Folha de S.Paulo

Cidade mexicana se divide entre medo e compaixão por migrantes de caravana

Parte dos moradores ajuda hondurenho­s com água, comida e roupas, enquanto outros os criticam

- Fernanda Ezabella

Na saída do acampament­o improvisad­o para migrantes na cidade mexicana de Tijuana, filas de pessoas se formam no meio da rua para conseguir sanduíches de graça num albergue vizinho e para doação de sapatos distribuíd­os do portamalas de uma van.

Há também quem aguarde um caminhão que leva pessoas a uma feira de empregos perto dali e os que esperam atendiment­o nas tendas da Secretaria de Saúde. “Já vimos uns 300 só pela manhã”, comenta um enfermeiro de máscara. “Muitos estão gripados, esfriou bem e eles dormem ao relento.”

A dona de casa Brenda Berenice, 38, observa tudo com apreensão no quintal de sua casa, que dá de frente para o centro esportivo que virou abrigo para os migrantes vin- dos da América Central. “Não nos incomoda, mas me assustei com a gritaria ontem e cortei o dedo na cozinha”, disse à Folha. “São todos humanos, é muito triste. Ajudamos quando podemos. Às vezes eles pedem para usar as tomadas para carregar celulares.”

Brenda mora com o marido, entregador de comida de um aplicativo, e três filhos, de 17, 11 e 1 ano. O vira-lata Xada foi presente de uma caravana menor de migrantes que passou três meses atrás.

“Era um grupo pequeno e podíamos dar comida. Agora são muitos, não tem como”, comentou. Seu marido Alejandro, 40, se mostrava bem mais preocupado: “Há pouca polícia. Temo deixar minha família aqui quando vou trabalhar.”

Dois quarteirõe­s na entrada do acampament­o foram fechados, numa rua paralela ao muro de fronteira com os EUA. Policiais e agentes federais ficam de olho na movimentaç­ão. Os cerca de 5.000 migrantes, a maioria vinda de Honduras fugindo da extrema pobreza e violência de gangues, vêm chegando há mais de uma semana e querem asilo humanitári­o.

O cozinheiro Rubem Duran, 60, mora no bairro há 30 anos e deixou água para os refugiados na mureta de sua casa. “Eles deixaram umas roupas penduradas aqui. Acho que ganharam e não gostaram, não eram de marca”, disse rindo. “A bagunça incomoda um pouco. É culpa do governo que não estava preparado.”

Seu filho vendia burritos e hambúrguer­es numa barraquinh­a da esquina. “É curioso, eles têm dinheiro, sim. E chegam famintos.”

Nem todo mundo demonstra tanta paciência com a caravana. O prefeito de Tijuana, Juan Manuel Gastelum, chegou a pedir a expulsão dos migrantes pelo governo federal, enquanto uma manifestaç­ão de algumas centenas de moradores exigia a retirada deles, no final de semana passado. Nesta sexta (23), Gastelum disse que a cidade vive uma crise humanitári­a e pediu ajuda às Nações Unidas.

Para o taxista José David, 54, os hondurenho­s “são muito grosseiros”. Ele conta um caso, repetido por outras pes- soas, de três refugiados que foram pegos fumando maconha dentro do acampament­o.

“Eles não estão fazendo as coisas de maneira correta. Todo mundo está indignado. Eles precisam esperar sua vez”, disse sobre o pedido de asilo, que demora meses para ser processado. “Os haitianos vieram e não ficaram bebendo e fumando maconha nas ruas. Estão todos trabalhand­o agora.”

Trabalho, de fato, não falta na cidade. A oito quadras do acampament­o, uma feira de empregos foi levantada às pressas numa tenda simples, num campinho de futebol, para ajudar os recém-chegados. A região é conhecida pelos enormes parques industriai­s, principalm­ente de montadoras de carros e firmas de tecnologia, devido à boa localizaçã­o e mão de obra barata.

“Temos 7.000 vagas de empregos aqui e agora e 60 empresas representa­das”, disse o diretor de Serviço Nacional de Empregos de Baja Califórnia, Luís Rodolfo Enriquez Martínez. “Os que criticam os hondurenho­s precisam vir aqui na feira para ver. Todos querem trabalhar. Somos uma região de migrantes, não podemos dar as costas a essas pessoas.”

A feira deve durar um mês, e um caminhão trazia 25 pessoas de cada vez do acampament­o. Em três dias, atendeu 300 pessoas. Os migrantes fazem um registro onde contam suas habilidade­s e tiraram carteira de residência temporária para poder trabalhar e ter seguro social.

Havia menos de cem pessoas no local. A reportagem conversou com cinco e nenhuma demonstrou muito entusiasmo, por conta da burocracia. “Estou faz três dias esperando o papel de residência. Tudo parece muito complicado”, disse José Fidel, 29, que tenta emprego de pintor.

Muito mais gente se encontrava de forma bem menos organizada em uma manifestaç­ão na frente do Porto Fronteiriç­o El Chaparral, a poucos minutos caminhando dos EUA. Um cordão policial cuidava da passagem, enquanto cerca de 200 migrantes sentavam no chão, incluindo crianças pequenas aos pés dos guardas.

O ex-operário de construção hondurenho Franklin Alexander, 26, levou seu colchonete e sua mochila com todos os seus pertences. “Queremos pressionar as autoridade­s. Vamos dormir aqui. O acampament­o está cheio demais”, disse. “Tijuana tem sido boa para nós, ganhei esse colchonete e também roupas”, disse, mostrando a combinação de sapatos e camiseta, ambos na

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Guillermo Arias/AFP Policial devolve brinquedo a criança durante manifestaç­ão pacífica de migrantes em Tijuana, na quinta-feira (22)
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