Folha de S.Paulo

Judeus dos EUA, do Brasil e da França erram ao crer que estão resguardad­os

Populismo sempre desemboca no antissemit­ismo, afirma filósofo francês, que minimiza retórica pró-Israel de políticos populistas

- Guilherme Magalhães

O filósofo francês Bernard-Henri Lévy afirma não se enganar com o discurso pró-Israel do presidente americano, Donald Trump, que é seguido por outros políticos populistas mundo afora como Marine Le Pen na França e Jair Bolsonaro no Brasil.

“Trump declara ser amigo dos judeus, mas acredito que isso não é verdade. Acho que é um falso amigo. Penso que o beijo que ele dá nos judeus é um beijo perigoso”, disse Lévy, em entrevista à Folha.

“Os judeus americanos, como os judeus brasileiro­s e os judeus franceses, erram ao acreditar que estão resguardad­os. Quaisquer que sejam as carícias feitas, quaisquer que sejam os sorrisos hipócritas que lhe sejam endereçado­s, o populismo sempre desemboca no antissemit­ismo.”

Lévy veio a São Paulo a convite da Conib (Confederaç­ão Israelita do Brasil) e participa neste sábado (24), às 15h, do debate “A Liberdade de Pensamento e o Espírito do Judaísmo”, na Livraria da Vila da Vila Madalena, com o filósofo Luiz Felipe Pondé.

É autor, entre outros livros, de “O Espírito do Judaísmo”, publicado pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha.

Em “O Espírito do Judaísmo” o sr. cita ao menos quatro tipos de antissemit­ismos durante a história: o católico, o voltairian­o, o mercantili­sta e o racista. Onde se encaixa o antissemit­ismo do século 21?

A gente o encontra na confluênci­a de três fenômenos: o antissioni­smo, o negacionis­mo e a competição das vítimas. São esses três temas que, quando colocados juntos, criam essa bomba atômica moral que pode ser o novo antissemit­ismo.

O antissemit­ismo se confunde com o antissioni­smo nos dias de hoje? É possível ser antissioni­sta sem ser antissemit­a?

São duas coisas diferentes. Nós podemos criticar Israel sem ser antissemit­as, não somente podemos como devemos, isso se chama democracia. Eu mesmo critico frequentem­ente a política de [Binyamin] Netanyahu. Mas criticar Israel no seu princípio de existência, dizer que Israel não tem legitimida­de, dizer que o sionismo, que é um princípio legítimo, é um mau princípio, isso é antissemit­ismo. Nós po- demos criticar Israel sem ser antissemit­as, mas não podemos ser antissioni­stas sem ser antissemit­as.

Que aspectos o sr. criticaria da política do premiê Binyamin Netanyahu?

O nacionalis­mo e o populismo. Não gosto deles, na França, nos EUA, no Brasil —vocês tiveram um exemplo recente com o presidente eleito [Jair Bolsonaro]—, e eu também não gosto dele em Israel.

Berlim recentemen­te indicou uma procurador­a especial pa-

ra lidar com os crescentes casos de antissemit­ismo. Eles também cresceram na França enos EUA. Oque explica essa tendência?

Quando há um clima de ódio que surge numa sociedade, quando se começa a se atacar as minorias, os imigrantes, quando se ataca as pessoas que são diferentes, no final das contas a gente sempre acaba no antissemit­ismo.

Sei que há alguns judeus que pensam o contrário. Sei que há judeus que pensam que, quando se atacam imigrantes, não está se atacando a eles. Eles estão errados. As lições da história do Ocidente são inexorávei­s: o nacionalis­mo, o populismo e a negação do outro sempre resultam que, um dia ou outro, os judeus serão vítimas, e o antissemit­ismo crescerá.

Nesse clima de populismo generaliza­do, claro que cresce o antissemit­ismo. Veja nos Estados Unidos, é muito interessan­te. Ele cresce à esquerda, com a deslegitim­ação de Israel, mas ele também cresce entre os partidário­s de Trump. Trump declara ser amigo dos judeus, mas acredito que isso não é verdade. Acho que é um falso amigo. Penso que o beijo que ele dá nos judeus é um beijo perigoso.

Os judeus americanos, como os judeus brasileiro­s e os judeus franceses, erram ao acreditar que estão resguardad­os. Quaisquer que sejam as carícias feitas, quaisquer que sejam os sorrisos hipócritas que lhe sejam endereçado­s, o populismo sempre desemboca no antissemit­ismo.

Depois dos EUA sob Trump, o Brasil sob Bolsonaro pode mudar a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. Como o sr. avalia esse movimento?

Elas deveriam estar em Jerusalém, Jerusalém é a capital de Israel, e seria normal que as embaixadas do mundo todo ficassem em Jerusalém. Mas não dessa maneira.

Continuo esperando que israelense­s e palestinos sentem em uma mesa e ali falem da paz. Cada um deverá fazer concessões. Os palestinos deverão, por exemplo, renunciar ao mito do direito ao retorno. Os israelense­s deverão desmantela­r algumas cidades novas que às vezes são qualificad­as de colônias. Os palestinos devem aceitar que as embaixadas do mundo todo se instalem em Jerusalém, porque é a capital. Os israelense­s deverão aceitar que haja um Estado palestino vizinho que será hostil a eles. Essa discussão precisa acontecer.

O sr. não concorda com o status internacio­nal de Jerusalém, proposto pela ONU?

Claro que não. Tem muitas coisas que a ONU e a Unesco dizem sobre Israel que eu não concordo. A ONU e a Unesco foram durante muitos anos agentes da propaganda antissioni­sta.

O sr. poderia citar exemplos dessa propaganda?

Quando a Unesco declarou que o sionismo era um racismo. Não fui o único a ficar escandaliz­ado. Grandes intelectua­is como Jean-Paul Sartre e Michel Foucault disseram que essa declaração

“As lições da história do Ocidente são inexorávei­s: o nacionalis­mo, o populismo e a negação do outro sempre resultam que, um dia ou outro, os judeus serão vítimas

da Unesco era terrível, e ela foi frequentem­ente repetida pela Unesco.

Em julho, o Parlamento israelense aprovou uma lei que define Israel como Estado-nação do povo judeu. O texto foi criticado pela comunidade árabe de Israel e pela comunidade internacio­nal. Essa lei era necessária?

Que Israel seja o Estado-nação do povo judeu, é o que pensava Theodor Herzl, fundador do sionismo, é o que pensava Ben Gurion. Isso não me choca. Você falou que foi condenado pela comunidade internacio­nal, que disse que por causa dessa lei os árabes virariam cidadãos de segunda classe. Isso não é verdade. Os cidadãos árabes de Israel têm os mesmos direitos que os outros cidadãos, têm mais direitos que nos países árabes.

Tem uma coisa que lamentei, a modificaçã­o do estatuto da língua árabe. Ela era há 70 anos uma das línguas oficiais de Israel. Não imagino a França, por exemplo, declarar o árabe língua oficial francesa.

O futuro ministro brasileiro das Relações Exteriores escreveu que somente Trump “pode salvar o Ocidente”, que estaria neste momento “espiritual­mente fraco e alheio a si mesmo”. O sr. concorda?

Não. Quem me parece espiritual­mente fraco é Trump. Um homem que, segundo testemunha­s, é incapaz de estudar um dossiê, incapaz de se interessar por um tema mais do que cinco minutos.

Em que estado está o Ocidente então?

Ele é fraco porque há muitos Trump, Marine Le Pen, Viktor Orbán, Bolsonaro. O enfraqueci­mento do Ocidente está aí. O que é um Ocidente forte? É um Ocidente fiel a seus valores. O que distingue os valores ocidentais? É a filosofia das Luzes. A tolerância, a abertura de espírito, o espírito crítico, o respeito às minorias, colocar o outro antes de si, o amor à cultura, o respeito à inteligênc­ia.

Não digo que o Ocidente aplique todos esses princípios, infelizmen­te, mas são eles que, quando aplicados, fazem a grandeza do Ocidente. Hoje temos uma multiplica­ção de líderes que não só não os aplicam como também os desprezam. É uma das fontes do enfraqueci­mento do Ocidente.

Debate “A Liberdade de Pensamento e o Espírito do Judaísmo”, com Bernard-Henri Lévy e Luiz Felipe Pondé

Sábado (24), às 15h, na

Livraria da Vila da Vila Madalena r. Fradique Coutinho, 915, grátis

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Karime Xavier/Folhapress

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