Folha de S.Paulo

MBL lança braço para formar jovens liberais e disputar centros acadêmicos

Para pesquisado­r de movimento estudantil, grupo deve enfrentar resistênci­a em universida­des

- Thiago Amâncio

Formar um exército de estudantes com pensamento liberal-conservado­r e disputar eleições de centros acadêmicos para “quebrar a hegemonia da esquerda” em escolas e universida­des. Essa é a ideia do MBL Estudantil, braço que o Movimento Brasil Livre lançou nesta sextafeira (23) para disputar espaço em entidades que representa­m estudantes.

A proposta, segundo o vereador paulistano Fernando Holiday (DEM), é “construir um movimento estudantil, mas que não seja apenas de militância, um movimento também de formação”.

Será uma espécie de plataforma para formar jovens liberais na economia e conservado­res em pautas de costumes, divulgando as ideias dos principais pensadores da área, com textos e videoaulas.

Holiday defende o Escola sem Partido, programa que pretende combater o que chamam de doutrinaçã­o de esquerda em escolas e universi- dades. A ideia vai ao encontro do que promete o novo projeto do grupo liberal.

“O principal foco do MBL estudantil é formar um enorme exército de estudantes com pensamento liberal-conservado­r para que possam disseminar esse conteúdo em sala e fazer oposição a qualquer discurso doutrinári­o de esquerda no ambiente estudantil”, explica Pedro D’eyrot, um dos coordenado­res do movimento que ganhou corpo nos protestos pelo impeachmen­t da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Além disso, segundo D’eyrot, o que o MBL Estudantil quer é “dominar o maior número de entidades possíveis com o pensamento de direita”. “Tomar DCEs [diretórios centrais de estudantes] e DAs [diretórios acadêmicos] pode ser um dos caminhos.”

Até agora, segundo o grupo, mais de 11 mil alunos de 8.000 instituiçõ­es se cadastrara­m na plataforma, lançada nesta sexta durante o congresso do MBL —com um concurso de debates em que o vencedor ganhou como prêmio a chance de debater com o deputado federal eleito Kim Kataguiri (DEM), um dos expoentes do movimento.

Para o professor da Universida­de Federal de Alagoas Marcos Ribeiro Mesquita, doutor com estudo sobre o movimento estudantil na atualidade, os jovens liberais “devem enfrentar muita resistênci­a” no ambiente acadêmico, que, reconhece, tem uma tradição de esquerda forte. “Ainda que tentem, acho que é um processo difícil”, diz.

Ideias de esquerda, em geral, encontram terreno mais fértil entre jovens. No recorte de idade da pesquisa Datafolha para presidente da República na véspera da eleição, o então candidato Fernando Haddad (PT) vencia Jair Bolsonaro com 52% dos votos válidos entre jovens de 16 a 24 anos. Nas intenções de voto válidos entre todas as idades, a pesquisa deu o mesmo resultado das urnas: vitória de Bolsonaro com 55%.

O MBL Estudantil é legítimo, nas palavras de Mesquita, “porque vivemos numa democracia”. “Mas nesse campo de disputas eu acho que o movimento estudantil ainda consegue ser um espaço de resistênci­a forte a esse movimento liberal existente no país.”

Para D’eyrot, “se for igual à resistênci­a ao Bolsonaro tá ótimo! Caminho livre!”, diz.

Ex-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Carina Vitral diz acreditar que o MBL Estudantil “vai perder muita eleição, e não porque são o MBL, não porque são de direita, mas porque as ideias não são frutíferas”, afirma ela, ao dizer que o grupo está descolado da realidade dos estudantes.

Ela cita alguns exemplos. “O MBL defende cobrança de mensalidad­e nas universida­des públicas. Qual a chance de o MBL vencer uma eleição numa universida­de pública?”

Além disso, o grupo foi contra o movimento de ocupação de escolas em todo o país em 2016 por estudantes secundaris­tas contrários à proposta de reforma do ensino médio. “Eu acho que eles vão ter muito trabalho.”

Disputar o comando da UNE está fora do radar do grupo liberal, que considera a entidade obsoleta. A atual presidente da organizaçã­o, Marianna Dias, rebate: “A UNE é uma organizaçã­o enraizada. Não nasceu no Facebook, nasceu por conta da necessidad­e da luta contra o fascismo no Brasil há 81 anos”, diz.

Dias convida o MBL a parti- cipar do congresso da entidade no próximo ano, que chama de plural e aberta aos mais variados matizes ideológico­s.

“Se você acha que a UNE precisa ter uma nova postura, dispute a UNE. Criar coisas paralelas é, na minha opinião, criar um grupo de amigos. A UNE não é um grupo de amigos, não é um grupo de Facebook”, diz.

A UNE teve convênios com o governo federal nos governos petistas, o que lhe garantiu repasse de verba pública.

Pedro D’eyrot rechaça a prática, mesmo no governo Bolsonaro, que tende a ser mais alinhado com o que pensa o grupo. “Essa relação direta de subserviên­cia dos estudantes perante o poder público não nos interessa. Independen­temente do presidente”, diz.

Correntes liberais não são exatamente uma novidade no movimento estudantil. Grupos que defendem ideais mais à direita já venceram eleições em DCEs de universida­des tradiciona­is como a UnB (Universida­de de Brasília) e a UFRGS (Rio Grande do Sul).

Historicam­ente, no entanto, o movimento estudantil teve forte ligação com grupos de esquerda em episódios históricos. É o caso do combate à ditadura militar e das campanhas pelas eleições diretas à Presidênci­a em 1984 e pelo impeachmen­t do ex-presidente Fernando Collor (1992), momento em que os estudantes tiveram forte relevância no debate público.

“Nesse campo de disputas eu acho que o movimento estudantil ainda consegue ser um espaço de resistênci­a forte a esse movimento liberal existente no país Marcos Ribeiro Mesquita professor da Ufal

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