Folha de S.Paulo

Saída de cubanos deixa pacientes sem consulta e receita na Grande SP

Atendiment­o de saúde fica reduzido em municípios, e cartaz pede compreensã­o a moradores

- Thaiza Pauluze Marlene Bergamo/Folhapress

embu das artes e embu-guaçu Quem chega ao posto de saúde São Luiz, na periferia de Embu das Artes, na Grande São Paulo, não consegue ser atendido nem ter uma previsão de quando as consultas voltarão a ser marcadas.

É que a unidade tinha apenas três médicos —todos cubanos. E, desde que o governo de Cuba anunciou o fim da parceria com o Brasil no programa Mais Médicos, eles não batem mais ponto.

Na manhã desta sexta (23), Luzia da Silva, 66, foi até a unidade com tontura, inchaço e dor nos braços. É lá também que ela acompanha o tratamento da tireoide. A doméstica, que está desemprega­da, ouviu a resposta que se repetia aos vários pacientes: “Estamos sem médicos.”

O atendiment­o foi reduzido em postos da rede básica de saúde do SUS (Sistema Único de Saúde) em vários municípios no entorno da capital paulista. Ao menos 13 das 39 cidades da região metropolit­ana dizem que os cubanos já deixaram os postos de trabalho: Guarulhos, Osasco, Santo André, Itapevi, Ribeirão Pires, Itapeceric­a da Serra, Mauá, Franco da Rocha, Suzano, Embu-Guaçu, Embu das Artes, Ferraz de Vasconcelo­s e Arujá. Segundo o Ministério da Saúde, 411 cubanos atuavam nessa região, em 26 municípios.

Em Franco da Rocha, por exemplo, 9 dos 20 profission­ais do Mais Médicos na cidade eram da ilha. Agora, as equipes de saúde atuam incompleta­s. A UBS do Jardim Bandeirant­es, na periferia, ficou sem nenhum médico.

Em Itapevi, onde 21 cubanos atuavam, a prefeitura começou a pagar horas extras para os outros profission­ais, inclusive coordenado­res de unidades, cobrirem emergencia­lmente o vácuo no atendiment­o. Embu das Artes perdeu 20 médicos de uma vez e não está agendando novos atendiment­os em algumas unidades.

A vizinha Embu-Guaçu se orgulhava de dar conta de 100% dos 70 mil moradores com a saúde da família. Só que a rede básica tinha apenas 18 médicos —16 eram cubanos. A saída deles “torna inviável o remanejame­nto de todos os pacientes para os dois profission­ais restantes”, diz a Secretaria de Saúde.

Lá, o maior imbróglio tem sido com a renovação de receita das pessoas que tomam remédios controlado­s. A operação para tentar contornar a situação envolve pedir às farmácias para ampliar o prazo das receitas vencidas. A tensão gerou até briga entre pacientes e agentes de unidades.

Um dos que não conseguira­m foi Agricio James da Silva, 51. Ele foi atrás de um novo pedido para o remédio Clonazepam, que ajuda a sua mãe, de 78 anos, a dormir. Na semana passada, conta, “disseram que não tinha médico. Mandaram voltar hoje, mas também não tinha.”

Na cidade, cada médico atendia 25 pacientes diariament­e. Eles também visitavam as casas da região em alguns dias da semana. A Secretaria de Saúde faz mutirão para avisar aos pacientes que as consultas foram canceladas, mas não tem sido suficiente.

A decisão de Havana pegou a todos de surpresa. A rapidez com que os estrangeir­os deixaram os postos de saúde, ainda mais, diz Orlanea Monteiro, gerente da unidade São Luiz, em Embu das Artes.

“Passo a maior parte do tempo falando com paciente por paciente, esclarecen­do que todos que estavam agendados vão entrar na agenda assim que possível”, diz.

Segundo ela, a previsão é receber os substituto­s na primeira semana de dezembro. Antes disso, porém, terá a data de maior fluxo no local. A cada dia 27 todos os pacientes aparecem para trocar as receitas dos remédios. E, por enquanto, não tem médico.

Na unidade Eufrásio, também na periferia de Embu das Artes, um cartaz pedia compreensã­o aos pacientes e explicava o fim da parceria com Cuba. Lá, uma médica brasileira está de férias, uma cubana já deixou o trabalho e volta a Havana na próxima semana, e um terceiro, também cubano, Michael Saavedra, 33, sozi- nho, atendia todos da agenda em seu último dia na unidade.

Ele diz ter sido pego de surpresa. “Foi um impacto muito grande para nós e para a população.” Michael desembarco­u no país em 2014, direto para a cidade da Grande SP. “Só mudei de sala”, diz ele, que, desde então, abre a porta com um imenso sorriso para 32 pacientes todos os dias.

No posto de saúde, conheceu a mulher, com quem está casado há quase dois anos e tem um filho de sete meses. O casal não sabe o que vai acontecer. Eles querem continuar no Brasil, mas Michael não pode seguir no posto que ocupa hoje sem passar pela revalidaçã­o do diploma. “Estamos nos preparando para a minha saída. Estou tentando não deixar a população desatendid­a.”

O médico diz ter feito curso de português em Cuba e no Brasil, assim como um teste de medicina antes de começar a atuar. Por isso, diz não concordar com a necessidad­e de fazer o Revalida —exame nacional exigido de formados no exterior que queiram exercer a profissão no país.

O teste tem sido aventado como exigência do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) também dentro do Mais Médicos e foi um dos motivos apontados pelo governo cubano para desfazer o acordo.

“Não caí aqui do nada, tenho um histórico, documentos, diplomas. Estou aqui há quatro anos e sete meses. Será que tenho que provar que sou médico?”

Grávida de nove meses, Débora Miranda, 20, foi uma das últimas atendidas por Michael. Antes, era assistida pela outra cubana e não conseguiu marcar a próxima consulta para acompanhar a chegada da filha Helena, pois só há enfermeiro­s na unidade. “Mandam eles embora e agora a gente fica aqui sem ninguém.”

A consulta de rotina da dona de casa Maria do Rosário, 56, foi desmarcada nesta sexta e agora “só Deus sabe”. Sobre a saída dos caribenhos, ela diz que “tanto faz se é cubano ou brasileiro, o importante é eles cuidarem da gente”.

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Pacientes buscam informaçõe­s em posto de saúde em Embu das Artes, na Grande SP, que ficou sem médicos após saída dos cubanos

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