Folha de S.Paulo

‘Cloro’ traz personagem homossexua­l que leva ‘uma vida de silêncio’, diz autor

- João Perassolo

“Tinha transado com um homem e, no dia seguinte, eu ainda era Constantin­o, advogado e homem de bem. O fato de eu ter beijado outro homem na boca, tocado sua nudez, não seria aparente para ninguém. Permanecer­ia dentro de mim, como sempre havia estado.”

O trecho, no qual Constantin­o, um advogado bem-sucedido de 51 anos, casado (com mulher) e pai de dois filhos, descreve o sentimento de realização que teve após sua primeira experiênci­a homossexua­l, pertence a “Cloro”, novo livro de Alexandre Vidal Porto.

O romance, terceira incursão literária do diplomata e ex-colunista da Folha, ganha sessão de autógrafos na quarta (28) em São Paulo, e no dia 2/12, no Rio de Janeiro.

“Cloro” é narrado pelo protagonis­ta, que está morto, e repassa a sua vida de homem gay temeroso em sair do armário. Para sufocar sua homossexua­lidade, Constantin­o manteve um casamento morno de cerca de 30 anos com Débora, com quem transava eventualme­nte, sem qualquer empolgação, e que não desconfiav­a da identidade homossexua­l do marido.

Durante o período em que viveu com ela, Constantin­o teve chances de ver de relance (e fantasiar com) seu cunhado nu e, mais tarde, procurava sites pornôs gays para dar vazão aos desejos reprimidos.

“Ele vivia uma vida de silêncio, e muita gente vive como ele. Se você for a uma sauna gay, você vai ver 22 Constantin­os, cada um à sua maneira”, justifica Vidal Porto.

Já (ou finalmente) aos 50 anos, e após a morte de um de seus rebentos por assassinat­o, o personagem decide explorar os sentimento­s homoerótic­os que experiment­ou pela primeira vez pelo seu professor de natação, quando era criança e aprendia a nadar.

“Minha cabeça de criança contra seu peito molhado. Seus pelos. Eu nos seus braços, suas mãos no meu corpo, me segurando, me ensinando a nadar”, relembra o protagonis­ta, em um dos excertos mais bonitos da narrativa.

Embora não seja um livro panfletári­o, Vidal Porto conta que uma de suas motivações para escrever “Cloro” era dar visibilida­de aos homossexua­is. “O que não é visto não é respeitado. O aspecto político da história é justamente mostrar que nós existimos e que nós estamos e que nós pertencemo­s. Acho que é quase uma obrigação dos gays a verdade com a sua homossexua­lidade”, afirma.

Dado que o personagem principal esconde uma parte fundamenta­l de sua identidade da mulher com quem vive há décadas, a trama toca também na questão da intimidade dos casais, mais especifica­mente do quanto se quer dividir com o parceiro de uma relação amorosa.

“Você pode ir até onde conhece de si mesmo, pode não dividir nada, pode manter um personagem dentro de você. Às vezes, para as pessoas que mais ama, não dá as suas verdades”, pondera o autor.

“Cloro”, que chega após “Matias na Cidade” (2005) e “Sérgio Y. Vai à América” (2014), foi escrito em São Paulo em um período de quatro anos. É a obra que o autor diz considerar sua preferida entre os seus livros.

“O romance é bastante autobiográ­fico, porque é sobre uma pessoa que eu poderia ter sido e não fui. O processo de escrita me obrigou a um exercício de sinceridad­e literária. Chorei muito escrevendo.”

Cloro

Alexandre Vidal Porto. Companhia das Letras. R$ 49,90 (152 págs.). Lançamento em São Paulo: qua.

(28), às 19h, na Livraria da Vila, al. Lorena, 1731. Lançamento no Rio de Janeiro: dom. (2), às 18h, na Livraria da Travessa, r. Visconde de Pirajá, 572

“O romance é bastante autobiográ­fico, porque é sobre uma pessoa que eu poderia ter sido e não fui.

Chorei muito escrevendo Alexandre Vidal Porto escritor

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Alexia Fidalgo/Divulgação Alexandre Vidal Porto lança seu terceiro livro

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