Folha de S.Paulo

Poeta Leide Moreira morre aos 70 anos, em SP

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Num post em suas redes sociais, publicado na noite de quinta (22), a cineasta e produtora cultural Leide Jacob replica “Dilema”, poema de sua mãe, a advogada Leide Moreira: “Minha vida se esvaindo/ Não sei se vou chorando ou sorrindo/ Sorrindo pondo fim a uma agonia que não aguento mais/ Chorando por deixar para trás pessoas que amo demais”.

Jacob lembra que os versos foram as primeiras coisas ditas pela mãe por meio de uma tabela especial, que a permitia soletrar palavras utilizando apenas os olhos. Moreira havia descoberto pouco antes, em fevereiro de 2005, que sofria de esclerose lateral amiotrófic­a (ELA), doença degenerati­va que leva à paralisia. Em novembro do mesmo ano, precisou fazer uma traqueosto­mia, e logo perdeu a fala.

“Pesquisand­o na internet, descobri um médico que indicava essa tabela, e falei: ‘Mãe, vamos testar’. Aí de primeira ela já falou a poesia, estava pronta”, conta Jacob. “E a gente falou, ‘poxa, que lindo’. Depois de engolir a seco, porque o conteúdo [de ‘Dilema’] é muito duro.”

Logo Moreira indicou à família que buscasse numa pasta de seu computador outros arquivos, poemas antigos que ela tinha costume de escrever, mas nunca mostrou aos outros. Os versos antigos e novos, agora ditados por meio da tabela, deram origem ao livro “Letras da Minha Emoção”, publicado de forma caseira em 2006.

A coletânea repercutiu, e depois a advogada publicou outras duas obras. “Poesias para me Sentir Viva” foi lançado em 2008 no auditório da Folha, com a presença de Leide Moreira, de maca e UTI móvel —a primeira vez que ela saía de casa nessas condições, segundo a filha.

Já “Não Espere de mim Apenas Poesias” (2015), também lançado no jornal, reunia não apenas poemas, mas também relatos do cotidiano de Moreira, que perdeu todos os movimentos e só tinha controle de seu globo ocular.

“Esse trabalho [na escrita] empoderou muito ela, que conseguiu mostrar que tem muito conteúdo para ser dito”, conta a filha. Mais que isso, Moreira acabou se tornando uma voz nos casos de ELA. Protestou contra a obrigação de comprar quatro ingressos para ver um show musical em São Paulo —o dela e o das assistente­s que precisavam acompanhá-la—, e seu caso inspirou uma lei que proíbe as casas de shows de seguirem a prática.

A história deu origem ao curta documental “Pagar 4 Nunca Mais” (2018), dirigido por Jacob, que já havia feito outro filme sobre a mãe: em 2007, entregou uma câmera às cuidadoras de Moreira, para que registrass­em os momentos em que ela escrevia. As gravações deram origem ao documentár­io “Minha Poesia”, selecionad­o para o NYC Independen­t Film Festival.

A advogada vivia em seu apartament­o paulistano num sistema de home care, com uma UTI em seu dormitório.

Nos últimos meses, foi parando de se comunicar. “Da última vez, disse: ‘Hoje leram para mim o jornal errado, o de ontem’. Fiquei imaginando ela ouvindo o jornal todo, e sabendo que estava errado. É ao mesmo tempo engraçado e bom, saber que ela tinha toda essa consciênci­a, mas também difícil, porque ela está lá e não consegue se comunicar.”

Moreira morreu na noite de quinta (22), aos 70 anos. Ela foi velada na manhã desta sexta (23), na Catedral Metropolit­ana Ortodoxa, e cremada durante a tarde, na Vila Alpina. Além de Leide Jacob, deixa outros dois filhos e três netos.

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Leonardo Wen - 7.nov.07/Folhapress Leide Moreira em sua casa, em 2007, com a tabela que utilizava como apoio para escrever seus versos; a poeta sofria de ELA, doença degenerati­va que leva à paralisia

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