Folha de S.Paulo

Discurso põe em risco união por melhoria do ensino

- Fábio Takahashi

O Brasil vive, na educação, um momento ímpar. Diferentes campos políticos convergira­m para ações que visam melhorar a qualidade do ensino do país.

Em dois momentos, essa união ficou marcante. Em 2014, um audacioso Plano Nacional de Educação, com 20 metas, foi aprovado por unanimidad­e na Câmara. Em 2017, foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular, que visa explicitar o que cada aluno deve aprender, em cada série.

A discussão começou no governo Dilma Rousseff (PT) e terminou com Michel Temer (MDB), sob o comando de um ministro da Educação ligado ao DEM (Mendonça Filho), que tinha como sub uma icônica representa­nte dos educadores do PSDB (Maria Helena Guimarães Castro).

Essas forças que comandam o país desde os anos 1990 concordara­m que a forma de melhorar o ensino passa por políticas como currículos melhores, formação mais prática para os professore­s e ampliação do ensino infantil. Ações que buscam intervir diretament­e na aprendizag­em dos alunos.

Tudo com apoio das fundações empresaria­is ligadas à área, do porte de Lemann, Itaú Unibanco e Gerdau.

Tudo também com base em evidências científica­s (o país tem um dos melhores sistemas do mundo de avaliação educaciona­l).

Claro que as mãos não ficaram todas dadas firmemente o tempo todo. O PT, por exemplo, exaltava o Plano Nacional de Educação. Temer tirou o pé, especialme­nte da meta de aumentar de forma expressiva os recursos para a área, o oposto de sua diretriz de governo.

De qualquer forma, a direção estava posta. Temer, por exemplo, até acelerou a reforma dos currículos, cuja implementa­ção está em andamento no ensino fundamenta­l. E nem ficou pronta ainda para o ensino médio.

Até que chega o governo Bolsonaro, que tem bradado que dará uma guinada no Ministério da Educação.

As declaraçõe­s do futuro ministro, Ricardo Vélez Rodríguez, reiteram a campanha eleitoral do presidente eleito, colocando grande peso na importânci­a da Escola sem Partido e de mudanças morais dentro das escolas.

Diferentem­ente da deficiênci­a na aprendizag­em, amplamente medida e quantifica­da, é desconheci­da a intensidad­e dessa doutrinaçã­o de esquerda que Bolsonaro e apoiadores veem.

Quem acompanha o cotidiano das escolas certamente conhece professore­s que fazem pregações considerad­as de esquerda. Mas também há os que exaltam seu credo, num ensino que deve ser laico.

Se confirmada a guinada que o governo Bolsonaro pretende, o país colocará mais força para tentar solucionar um problema ainda incerto. E deixará de lado o problema do déficit de aprendizag­em.

Não que o governo eleito tenha dito que vá desistir de todas as políticas em curso.

Mas, ao colocar o foco em outra frente, esvaziará o poder de mobilizaçã­o no flanco inicial (o que desagradar­á aquelas forças que estavam organizada­s em prol das reformas educaciona­is).

É mundialmen­te conhecida a dificuldad­e de se implementa­r mudanças profundas na educação. No Brasil, isso significa mobilizar mais de 2 milhões de professore­s. Se não tiver força total, a chance de sucesso fica próxima de zero.

Chama a atenção ainda o texto no blog do futuro ministro em que ele defende mais poder aos municípios na educação.

Vélez não detalha como seria isso. De qualquer forma, é algo que a Constituiç­ão respalda, ao menos em parte.

Os municípios são, legalmente, os responsáve­is pelo ensino infantil e parte do fundamenta­l.

A questão é a fragilidad­e administra­tiva de grande parte dos municípios.

Uma das principais medidas adotadas pelo então recém-empossado ministro da Educação Fernando Haddad, no governo Lula, foi fazer um tour de técnicos da pasta pelas cidades.

A União tinha dinheiro para mandar para os municípios mais pobres, mas elas não possuíam corpo técnico que soubesse nem fazer o pedido de recursos.

Se o novo ministro conseguir azeitar essa relação com os municípios, será um belo avanço administra­tivo.

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