Folha de S.Paulo

Busca pela perfeição

Autor de ‘A Menina que Roubava Livros’ lança romance após seguidas frustraçõe­s

- Clara Balbi

Foram 13 anos, quase dez tentativas diferentes de narração (em uma delas, a função cabia a uma musa, como nos épicos gregos) e mais de 500 páginas até que Markus Zusak concluísse seu sexto romance, “O Construtor de Pontes”.

Lançado internacio­nalmente em outubro, deve chegar ao Brasil no início de 2019.

A pressão sobre o australian­o de 43 anos não era pouca. Seu trabalho anterior, “A Menina que Roubava Livros”, era narrado por ninguém menos que a Morte e vendeu 16 milhões de cópias desde a sua publicação, em 2005. Oito anos mais tarde, ganhou uma versão cinematogr­áfica com Geoffrey Rush e Emily Watson no elenco e indicada ao Oscar de melhor trilha sonora.

Mas o maior problema, diz Zusak em entrevista à Folha, eram suas próprias expectativ­as. A premissa da obra o acompanhav­a desde os 20 anos. “Queria escrever um livro melhor do que eu mesmo; acima de mim mesmo”, diz. “Acho que por isso demorei tanto.”

A busca pela perfeição é compartilh­ada com o protagonis­ta de “O Construtor de Pontes”, o quieto e obsessivo Clay. Órfão de mãe e abandonado pelo pai, ele e os outros quatro irmãos Dunbar —Matthew, Rory, Henry e Tommy—, vivem sob as próprias regras na casa da família em um subúrbio australian­o.

“Muitos nos considerav­am desajustad­os. Bárbaros. No geral, tinham razão”, descreve Matthew, primogênit­o do clã e narrador enfim eleito por Zusak.

Um dia, para surpresa dos filhos, o pai retorna à casa e pede ajuda para construir uma ponte. Clay é o único a aceitar a empreitada.

A aproximaçã­o entre os dois é o ponto de partida para a reconcilia­ção da família, destroçada desde a morte da matriarca Penélope.

Para Clay, explica Zusak, a ponte simboliza uma espécie de redenção, “uma coisa perfeita que vai salvar a todos”.

Ao construí-la, porém, o protagonis­ta descobre que o processo é muitas vezes mais valioso que o resultado.

O arco do personagem imitou o de seu autor. “Foi só quando percebi que o livro jamais seria perfeito, e que o mais importante era trabalhar duro, que consegui terminá-lo.”

No Brasil, “O Construtor de Pontes” será lançado em dezembro pelo clube de assinatura da Intrínseca. Como os assinantes recebem os títulos 45 dias antes de sua estreia oficial nas livrarias, a obra só será comerciali­zada no país no primeiro trimestre de 2019.

Seus direitos haviam sido comprados pelo dono da editora, Jorge Oakim, ainda em 2007, quando “A Menina” estourou no Brasil. “Foi uma boa espera, mas sempre soubemos que seria um grande livro.”

Além de difícil de escrever, Zusak afirma que o livro também deve se mostrar mais desafiador para os leitores. Extensa (são 528 páginas na edição brasileira), a narrativa mistura relatos de diferentes gerações da família Dunbar, da infância dos pais dos meninos, Penélope e Michael, à vida adulta dos cinco.

O autor compara a estrutura da trama ao vaivém das marés. “Um de seus temas mais fortes é a ideia de que nossas histórias começam muito antes de nascermos”, diz. “Embora Clay tente seguir adiante, para longe dos irmãos, a memória sempre o alcança. O que aconteceu com Penélope e Michael no passado ainda impacta a família no presente.”

A forma também é uma das muitas alusões à “Odisseia” espalhadas na narrativa, a começar pelo nome da mãe, Penélope, batizada em homenagem à esposa de Ulisses.

Tal qual os heróis gregos, a matriarca ganha diversos epítetos ao longo da obra: é a Rainha dos Erros, a Garo- ta do Aniversári­o, a Noiva do Nariz Quebrado.

Além dela, há Heitor, o gato; Telêmaco, o pombo; Agamemnon, o peixe; e Aquiles, a mula. Praticamen­te um membro da família, o último foi determinan­te na escolha do cenário da obra, uma cidadezinh­a famosa pelo turfe.

“Precisava que as pessoas acreditass­em que uma mula poderia viver na casa dos Dunbar”, afirma Zusak.

A casa, aliás, sintetiza a atmosfera de masculinid­ade juvenil que permeia o livro, com suas pilhas de louça suja, palavrões e reprises de filmes de ação (o brasileiro “Cidade de Deus” é um aos que os irmãos assistem).

Nesse sentido, “O Construtor de Pontes” remete menos a “A Menina que Roubava Livros” e mais aos primeiros livros do escritor, “O Azarão”, “Bom de Briga”, e “A Garota que Eu Quero”.

Lá também estão presentes a fascinação por lutas de todo tipo e relações fraternais que alternam amor e ódio, além do contexto da classe operária australian­a em que o escritor cresceu.

Apesar disso, Zusak não encara o novo trabalho como um retorno às origens. “Ele não é mais autobiográ­fico, digamos, do que ‘A Menina que Roubava Livros’, que se baseia nas histórias dos meus pais sobre suas infâncias na Alemanha e Áustria nazistas”, diz.

Depois de mais de dez anos imerso na escrita do livro recém-lançado, o autor diz estar trabalhand­o em um novo manuscrito, usando trechos de um dos narradores descartado­s em “O Construtor de Pontes”.

Nada de figuras mitológica­s, porém. A personagem, no caso, é a irmã mais nova de Carey, interesse amoroso de Clay. Batizada de Maggie, ela foi suprimida da trama atual. “Acho que talvez haja uma nova história para ela contar”, diz Zusak.

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Carol Daffara
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Divulgação O escritor australian­o Markus Zusak

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