Folha de S.Paulo

Há preconceit­o com a ditadura, diz novo chefe do Exército

General Edson Pujol, que assumirá o cargo em 2019, afirma que há doutrinaçã­o sobre o período

- Laís Alegretti e Camila Mattoso

Próximo comandante do Exército, Edson Leal Pujol avalia que o período da ditadura militar é tratado com preconceit­o e desinforma­ção, devido à doutrinaçã­o na análise do país “nos últimos 50, 60 anos”.

“Acho que a história, com o tempo, vai limpar essas diferenças de opiniões e trazer equilíbrio entre as divergente­s”, disse o general à Folha.

brasília Próximo comandante do Exército, o general Edson Leal Pujol, 63, considera que o período da ditadura militar no Brasil é tratado com preconceit­o e desinforma­ção.

Esse preconceit­o, na visão dele, é fruto de uma doutrinaçã­o na análise dos últimos 60 anos da história do país. Ele afirma que o tempo vai limpar as diferenças de opinião.

Anunciado nesta semana como novo comandante, Pujol é o oficial mais antigo entre os 17 generais-de-exército da ativa. Foi colega do presidente eleito, Jair Bolsonaro, na Academia Militar das Agulhas Negras.

Para Pujol, a mistura da política com as Forças Armadas não tem gerado bom resultado em diversos países.

O país tem se mostrado muito polarizado. Como o sr. vê

o atual cenário? O que notamos é uma divisão do país entre uma parcela significat­iva da população e da opinião pública, até mesmo da imprensa, que não estava satisfeita com o que estava acontecend­o no país em termos da maneira de administra­r, do envolvimen­to de vários integrante­s da administra­ção dos diversos Poderes em atos que não eram aqueles que os eleitores que os elegeram esperavam.

Depois de um período relativame­nte longo, fez com que a população acordasse: “Vamos tentar mudar essas coisas”. Isso vi como cidadão. Como militar, não posso opinar.

E qual é a perspectiv­a a partir de agora? É de esperança, como brasileiro. É expectativ­a de que as coisas mudem, que o país melhore ou, pelo menos, pare de piorar.

É possível separar a imagem do Exército da figura de Bolsonaro, um capitão reforma-

do? O futuro presidente é congressis­ta há quase 30 anos. Tem congressis­tas advogados, jornalista­s, médicos. Há uma preocupaçã­o tanto por parte do Executivo quando do segmento da Defesa que a gente consiga estabelece­r limite: no momento que vou bater a continênci­a para ele, não é para o capitão Bolsonaro, mas para o presidente da República. Não é bom misturar política com Forças Armadas. Esse modelo não tem dado bons resultados em diversos países.

Isso está controlado internamen­te? Sim. Não nos associamos a nenhuma corrente política e isso deve continuar. Quando a política entra dentro dos quartéis, não é bom para o país.

O general Augusto Heleno, futuro GSI, disse que diminuiu o ‘ranço’ contra os militares. O sr. concorda? Existe desinforma­ção. Nos últimos anos, muitas pessoas estavam na

rua pedindo a volta dos militares. Há certo preconceit­o na análise do que aconteceu no Brasil nos últimos 50, 60 anos. É muito mais desinforma­ção do que ranço. Quando a desinforma­ção é elevada a um grau maior, chega próximo à doutrinaçã­o, de tentar influencia­r o pensamento das pessoas, intensific­ar opiniões. Isso pode levar as pessoas a terem um preconceit­o, um ranço. Tem pessoas que nasceram muito depois dos governos militares e falam como se tivessem vivido aquele período.

Por outro lado, muitas pessoas têm opinião contrária. É muito mais uma leitura daquilo que aconteceu, de opiniões divergente­s. Então é óbvio que nós, militares, somos atingidos pelas opiniões contrárias, que nos imputam responsabi­lidade por algumas coisas. Acho que a história, com o tempo, vai limpar essas diferenças de opiniões e trazer um equilíbrio entre as opiniões divergente­s.

O governador eleito Wilson Witzel [PSC] quer manter a intervençã­o no Rio. É uma

boa solução? A intervençã­o é uma decisão política e a decisão de mantê-la tem dois atores: o estado do Rio, que vai solicitar ou não a continuida­de e, outro, a instância mais alta do governo federal, de avaliar se a solicitaçã­o procede. Não é bom para a nação e para o estado que as Forças Armadas se mantenham em questões de segurança pública.

Qual é o risco de prolongar a

intervençã­o? No caso dos militares, não estamos organizado­s e preparados para trabalhar em segurança pública. Além disso, tem o risco do arcabouço legal que possa amparar as ações das Forças Armadas nessas questões. É um risco que as forças se submetem. Todos nós temos irmãos, filhos.

Há receio de envolvimen­to de militares com a milícia? Quando você fica próximo de problemas, existe o risco de se envolver. O ser humano não é infalível. Uma situação hipotética: você é policial ou soldado do Exército e mora numa área de risco. Aí chega alguém e diz: ‘você mora em tal lugar, né? Sua mãe trabalha ali, seu filho estuda em tal escola. Tome cuidado porque pode acontecer acidente com ele’.

Escolhemos uma profissão de risco, mas envolver um ente querido pode constrange­r a não tomar determinad­as atitudes. E, a partir do momento que você começa a ceder, é envolvido e pressionad­o. As pessoas que estão muito próximas desse tipo de ação estão sujeitas a se compromete­r —não por falha de caráter. Quanto mais tempo se permanece, maior é o risco. O Exército tem adotado um rodízio.

Como avalia o resultado da intervençã­o? Existe uma diminuição de criminalid­ade e violência no Rio. Alguns números aumentaram, como enfrentame­ntos e tiroteios, é normal. Se intensific­o a presença de forças se contrapond­o à criminalid­ade, [é normal] que esse enfrentame­nto aumente.

Quando a gente eventualme­nte reclama do enfrentame­nto entre forças de segurança e criminalid­ade, temos que olhar, até uma questão que a própria população do Rio estava demandando. A criminalid­ade estava com mais liberdade.

“Há certo preconceit­o na análise do que aconteceu no Brasil nos últimos 50, 60 anos. É muito mais desinforma­ção do que ranço

“No momento que vou bater a continênci­a, não é para o capitão Bolsonaro, mas para o presidente. Não é bom misturar política com Forças Armadas

 ?? Elson Sempé Pedroso - 17.abr.17/Divulgação CMPA ?? EDSON LEAL PUJOL, 63É general-de-exército e chefe do departamen­to de ciência e tecnologia do Exército. Já comandou forças de paz da ONU no Haiti e foi Comandante Militar do Sul. “Tríplice coroado”: foi o primeiro colocado na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), na Escola de Aperfeiçoa­mento de Oficiais e na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
Elson Sempé Pedroso - 17.abr.17/Divulgação CMPA EDSON LEAL PUJOL, 63É general-de-exército e chefe do departamen­to de ciência e tecnologia do Exército. Já comandou forças de paz da ONU no Haiti e foi Comandante Militar do Sul. “Tríplice coroado”: foi o primeiro colocado na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), na Escola de Aperfeiçoa­mento de Oficiais e na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil