Folha de S.Paulo

Energia desperdiça­da

Se ficar tomado pela pauta ideológica na Educação, Ricardo Vélez Rodríguez vai perder a oportunida­de de melhorar a perspectiv­a de futuro de milhões

- Editoriais@grupofolha.com.br

Acerca da escolha do futuro ministro da Educação.

A indicação do ministro da Educação explicitou uma disputa no novo governo que talvez nem sequer o presidente eleito conhecesse.

A reação de apoiadores de primeira hora de Jair Bolsonaro, religiosos conservado­res sobretudo, a nomes não comprometi­dos com a chamada Escola sem Partido foi enérgica a ponto de modificar o curso dos acontecime­ntos e o perfil do titular da pasta.

Diante do veto ao educador Mozart Ramos, a escolha do professor de filosofia Ricardo Vélez Rodríguez, chamado às pressas para conversar com Bolsonaro, represento­u a vitória da ideologia pouco familiariz­ada com o setor sobre a técnica, o conhecimen­to especializ­ado e a tarimba administra­tiva.

Nada que não possa ser recuperado. Outras pessoas que chefiaram a Educação nos últimos anos careciam de experiênci­a no campo.

Todas tiveram a humildade de suprir essa deficiênci­a cercando-se de assessores competente­s, prestigian­do a inteligênc­ia decantada no próprio MEC e, talvez mais importante, chanceland­o os diagnóstic­os na base dos programas prioritári­os, de longo prazo, que têm ajudado a recuperar parte do imenso atraso no ensino básico.

Dessa lista de prioridade­s não consta a implantaçã­o de mecanismos patrocinad­os pelo Estado, de resto inconstitu­cionais, para alcaguetar professore­s e bisbilhota­r o que dizem em sala de aula.

O Ministério da Educação, à exceção de poucas escolas técnicas que mantém, não oferece ensino básico. São os municípios, concentrad­os nas crianças, e os estados, nos adolescent­es, os provedores do serviço. O ente federal tem missões na regulação do setor e no estímulo ao aprendizad­o.

Dentro dessas prerrogati­vas, a definição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio, tendo sido encerrada a etapa do fundamenta­l, desponta como a tarefa mais importante diante do novo governo.

A evasão e a repetência de jovens de 15 a 17 anos são o principal gargalo para o objetivo de universali­zar o acesso à educação básica.

Há, além disso, dispersão demasiada nos desempenho­s das redes locais de ensino. Dados os mesmos recursos financeiro­s e a mesma realidade socioeconô­mica, algumas pontuam perto da média de nações avançadas, enquanto muitas outras arrastam-se na baixa proficiênc­ia.

O MEC deveria aperfeiçoa­r suas ferramenta­s de incentivo e tornarse um poderoso difusor das melhores práticas, para que o desempenho escolar da grande maioria dos alunos possa avançar depressa.

Se ficar tomado pela agenda ideológica que o conduziu ao posto, Vélez vai desperdiça­r energia em temas condenávei­s e de impacto restrito —e a oportunida­de de melhorar a perspectiv­a de futuro de milhões de crianças e adolescent­es.

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