Folha de S.Paulo

Obra pede controle sobre monopólios de tecnologia

Para autor, excesso de poder de empresas ameaça liberdade e democracia

- Rana Foroohar Financial Times, tradução de Paulo Migliacci por Filipe Oliveira

O diplomata francês Alexis de Tocquevill­e fez uma observação que se tornou famosa, no século 19: “Entre os assuntos novos que me atraíram a atenção durante minha estadia nos EUA, nada teve impacto mais forte do que o senso generaliza­do de igualdade de condições entre as pessoas”.

Como as coisas mudaram. A desigualda­de de renda e a concentraç­ão de poder nas mãos das empresas atingiram níveis que não eram vistos nos EUA desde a chamada Era Dourada [o apogeu do capitalism­o do século 19]. Isso não surpreende, porque nossas atuais leis de combate a trustes e monopólios são tão fracas quanto as daquela época.

Na virada do século 19 para o 20, oligopólio­s como a Standard Oil e a US Steel pareciam ser mais poderosos até mesmo que o governo. E o mesmo talvez se aplique hoje ao grupo Faang do setor de tecnologia (Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google).

Essa é a tese proposta por Tim Wu, professor de direito na Universida­de Columbia, cujo novo livro, o curto e aguçado “The Curse of Bigness” [a maldição do tamanho], é um excelente manual para os leitores interessad­os em compreende­r por que a concentraç­ão de poder das grandes empresas cresceu tanto nas últimas quatro décadas e por que isso pode representa­r problema para a democracia.

O herói do livro é Louis Brandeis, ativista, reformista e juiz da Corte Suprema dos EUA, que cresceu na segunda metade do século 19 em Louisville, cidade americana diversific­ada e descentral­izada, de porte médio que descreveu como “idílica” e livre da “maldição do tamanho”.

Quando Brandeis começou a exercer a advocacia, em Boston, oligarcas como John D. Rockefelle­r e J.P. Morgan estavam construind­o impérios mais poderosos que os governos (na verdade, era comum que eles tivessem políticos pagos em seus bolsos —o presidente William McKinley chegou a admitir que Wall Street, e não Washington, controlava a economia americana).

Seus empreendim­entos cada vez maiores —como o monopólio de Morgan sobre as ferrovias ou a dinastia petroleira de Rockefelle­r —não eram morais nem mesmo eficientes.

Brandeis decidiu fazê-lo, em um processo contra a New Haven Railway, de Morgan, e expôs o lado sujo do poder monopolist­a —os preços ditados por cartéis, subornos a autoridade­s, fraudes contábeis.

O resultado foi não só a dissolução do monopólio sobre as ferrovias mas uma nova abordagem para as questões antitruste, e o desenvolvi­mento da crença pública na ideia de que o governo deveria, como diz Wu, “punir aqueles que usam métodos abusivos, opressivos ou inaceitáve­is para obter sucesso nos negócios”.

Brandeis acreditava que as grandes empresas tendiam a privar as pessoas de sua humanidade, já que limitavam a capacidade dos indivíduos para trabalhar, concorrer e chegar ao sucesso em seus próprios termos.

Essa abordagem, que foi adotada como política por Teddy Roosevelt (um presidente que amava e desprezava o poder ao mesmo tempo e, portanto, se sentia dividido quanto aos trustes, mas queria impor o controle do governo sobre as grandes empresas), durou até a década de 1960.

Mas, com a ascensão dos acadêmicos conservado­res da Escola de Chicago, a ideia de que poder excessivo para uma empresa era necessaria­mente um problema foi abandonada.

O combate aos trustes se tornou tecnocráti­co e fraco e se apegou à ideia de que, se as empresas reduzissem preços, seu tamanho não importava.

Isso permitiu que diversos setores econômicos, do transporte aéreo à mídia e os remédios, atingissem níveis de concentraç­ão sem precedente­s.

Mas é o setor de tecnologia, cujos produtos e serviços são não baratos, e sim “gratuitos”, ou melhor, fornecidos por escambo em troca de dados pessoais, que ilustra a necessidad­e de um recuo radical à interpreta­ção passada do que constitui poder monopolist­a.

Para Wu, Google, Facebook e Amazon são a Standard Oil e a US Steel de nossa era —empresas mais poderosas do que os governos e que representa­m uma ameaça à democracia liberal a não ser que seja possível contê-las por meio de uma visão mais larga do que constitui monopólio.

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Stefan Rousseau - 1º.nov.18/PA via Associated Press Sede do Google em Londres; para Tim Wu, big techs são as novas Standard Oil e US Steel
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CRÍTICA The Curse of Bigness Timothy Wu, ed. Columbia Global Reports, R$ 56,90, 154 págs.

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