Folha de S.Paulo

Indicado ao BB foi investigad­o e absolvido no Marka-FontCidam

- Rubens Valente e Fábio Fabrini

O economista Rubem de Freitas Novaes, escolhido pelo governo Jair Bolsonaro para ser o presidente do Banco do Brasil a partir de janeiro, foi alvo, no fim dos anos 1990, de uma CPI (Comissão Parlamenta­r de Inquérito) do Congresso Nacional e de investigaç­ões da Procurador­ia da República no Rio de Janeiro.

Ele foi investigad­o por seu papel no escândalo que ficou conhecido como Marka-FonteCinda­m e que levou à prisão do banqueiro Salvatore Cacciola e à queda do então presidente do Banco Central, Francisco Lopes.

Em junho de 2000, Novaes foi denunciado pela procurador­ia, ao lado de Cacciola e de outros personagen­s do escândalo.

A denúncia foi acolhida, e Novaes se tornou réu sob acusação de desvio de dinheiro público, peculato e corrupção. Foi absolvido em 2005 pela Justiça Federal no Rio de Janeiro por falta de provas. O MPF não recorreu da decisão.

A absolvição foi decidida pela juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal Criminal. Ela condenou oito acusados, entre eles Cacciola e Lopes.

Procurado pela Folha na quinta-feira (22), Novaes reiterou que não houve condenação e que a procurador­ia desistiu de apelar.

“Note que o MPF não recorrer caracteriz­a quase que um arrependim­ento pela denúncia feita”, disse o economista.

Novaes foi diretor no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social) durante o último governo da ditadura militar (1964-1985), na Presidênci­a do general João Figueiredo, e depois diretor do Sebrae.

Em outro momento da ditadura, entre 1969 e 1970, passou pela Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda. Depois que saiu do setor público, tornou-se consultor privado de instituiçõ­es financeira­s.

A partir de setembro de 1998, conforme Novaes disse à CPI do Senado em abril de 1999, ele buscava “uma recolocaçã­o no mercado, conversand­o com ‘headhunter­s’ [caçadores de talentos], sendo entrevista­do por empresas para voltar a ser executivo de empresas no setor financeiro ou não, mas ligado à área financeira”.

Ele disse ainda aos senadores que era amigo “de 30 anos” de Cacciola e eventualme­nte trabalhava para ele.

O nome de Novaes veio à tona no escândalo Marka-Fonte-Cindam porque no dia 13 de janeiro de 1999 ele viajou do Rio de Janeiro, onde morava, para Brasília em um jatinho ao lado de Cacciola e do também consultor Luiz Augusto Bragança, que era amigo do então presidente do BC.

No mesmo dia, Cacciola se reuniu com diretores do BC a fim de resolver a situação de seu banco, então já mergulhado em grave crise financeira e prestes a ser liquidado.

No dia 13, “em que pesem a falta de liquidez dos mercados futuros de câmbio e a ciência do prejuízo”, segundo a CPI, o Marka “vendeu 2.300 contratos com vencimento para fevereiro para o Stock Máxima”, um fundo de renda fixa cujo único cotista era um fundo gerido pelo Marka Bank, no paraíso fiscal das Bahamas.

A CPI concluiu no relatório final que “o Banco Central tinha ciência de que se transferia renda para o exterior, mas apreciou a legitimida­de da operação com base na lábia, desta vez do presidente do Banco Marka”, Cacciola.

O caso foi investigad­o em pelo menos duas frentes: na Procurador­ia e na CPI do Sistema Financeiro, criada em março de 1999.

A comissão parlamenta­r concluiu que o BC ajudou indevidame­nte Cacciola, o que teria causado um prejuízo estimado em R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos.

Durante as investigaç­ões, a CPI quis saber se Novaes atuou como lobista de Cacciola e qual seu papel na intermedia­ção das conversas com autoridade­s do governo.

O economista negou em depoimento aos senadores qualquer participaç­ão nas conversas de Cacciola com os diretores do BC.

Ele disse que viajou em um jatinho fretado com o banqueiro e ficou aguardando, longe do BC, o desfecho da reunião. Como ela se estendeu, disse Novaes, ele voltou ao Rio de Janeiro em um avião de carreira.

“Quando nos reunimos, o Alberto [Cacciola] pediu que eu viesse a Brasília com ele, porque havia um avião fretado. Ele precisava expor a sua situação ao Banco Central, precisava de alguém para conversar, sugerir alternativ­as, precisava do meu apoio, assim como precisava do apoio do Luiz Augusto Bragança”, disse Novaes à CPI.

“Informei a ele que não teria muito a contribuir em termos de discussão interna com o Banco Central, mas que poderia sim contribuir dando apoio e talvez sugerindo opções que um banco em dificuldad­e pode tentar. Inclusive não tinha noção da extensão da gravidade, do quão quebrado estava o banco, se havia uma perspectiv­a ainda de salvar o banco, e essas coisas.”

A comissão afirmou que os depoimento­s de Novaes e Bragança “apresentam discrepânc­ias entre si, mormente em relação aos contatos telefônico­s estabeleci­dos”.

“Ao contrário das afirmações do sr. Rubem Novaes à CPI, os cruzamento­s telefônico­s registrara­m, nos dias 14 e 15, seis ligações do celular [...] para o Hotel Saint Paul, onde estavam hospedados os srs. Salvatore Cacciola e Luiz Augusto de Bragança”, afirma o relatório final da CPI.

No ano 2000, o Ministério Público Federal obteve na Justiça a prisão preventiva de Cacciola. Ele passou apenas 37 dias na cadeia, mas fugiu em seguida, após obter liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal).

A decisão foi revogada em seguida. Cacciola fugiu para a Itália. Ele só seria preso na Europa oito anos depois.

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Adriano Machado 22.nov.18/Reuters Rubem Novaes, indicado para presidir o Banco do Brasil, no CCBB, onde está o governo de transição

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