Folha de S.Paulo

A saga global do algodão brasileiro

É hora de construir uma imagem sólida para o produto brasileiro no exterior

- Marcos Sawaya Jank Especialis­ta em questões globais do agronegóci­o, trabalha em Singapura. É livre-docente em engenharia agronômica pela USP

Após uma esplêndida safra que nos permitiu ultrapassa­r a Índia e a Austrália, o Brasil chega à posição de segundo maior exportador mundial de algodão, o que vai gerar mais de US$ 2,5 bilhões em 2019.

Mantida a atual taxa de cresciment­o (10% anuais), antes de 2030 teremos superado os EUA, líderes em exportação.

Trata-se de transforma­ção fenomenal para um país que nos anos 1990 chegou a se posicionar como o segundo maior importador mundial do produto.

À época, nosso modelo era baseado na pequena produção da região Sul, sujeita a instabilid­ades climáticas e ao descontrol­e de pragas e doenças.

Ao migrar para os cerrados do centro-norte, o algodão ganhou escala (propriedad­es rurais e operações maiores), reduziu a incidência de doenças (a colheita deixou de coincidir com o período chuvoso) e, em consequênc­ia, obteve maior produtivid­ade e qualidade de pluma.

Entre os anos 1970 e hoje, enquanto a área plantada com algodão caiu de 4 milhões para 1 milhão de hectares, a produtivid­ade deu salto de 200 kg para 1.800 kg de plumas por hectare. Se naquele período o algodão era cultura única, hoje ele é comumente plantado como segunda safra da soja, usando a mesma área agrícola.

Isso permitiu conquistar dois elementos únicos de diferencia­ção do Brasil: a padronizaç­ão do produto —cuja rastreabil­idade pode ser feita em nível de talhão— e as caracterís­ticas intrínseca­s de sustentabi­lidade, graças à adoção generaliza­da pelo setor de certificaç­ões como o ABR (Algodão Brasileiro Responsáve­l) e a BCI (Better Cotton Initiative).

Mas quem de fato puxou a cotonicult­ura foi a demanda asiática, que responde por 93% das nossas exportaçõe­s.

Ocorre que a indústria de confecções é uma das que mais migraram ao longo do tempo, saindo do Reino Unido na Revolução Industrial para se instalar nas Carolinas nos EUA.

Depois foi para o Japão e a Coreia do Sul, seguiu para a China e hoje chega a Indonésia, Vietnã, Turquia, Bangladesh e Paquistão, países cujas importaçõe­s crescem a dois dígitos.

Essa extraordin­ária mobilidade, em busca de mão de obra competitiv­a, gerou forte demanda para o algodão brasileiro em países com notáveis limitações de terra e água.

Mas o que falta ser feito para coroar essa saga? Como vamos vencer os EUA na disputa pela liderança das exportaçõe­s? Minha opinião é que ganhos de produtivid­ade são fundamenta­is, mas não suficiente­s, para ganhar o jogo global e que qualidade medida no campo é diferente de qualidade percebida pelo consumidor.

A cotonicult­ura americana lidera o mercado não apenas porque historicam­ente produziu grandes volumes com alta produtivid­ade mas também porque investiu pesadament­e em comunicaçã­o e diferencia­ção.

O Cotton Council Internatio­nal (CCI), braço de promoção internacio­nal do Conselho Nacional do Algodão dos EUA, tem representa­ções em 15 países e um site em 12 idiomas. Em 2017, gastou US$ 26 milhões com programas de internacio­nalização da indústria, fóruns, trade shows e eventos.

Criou a marca “Cotton USA”, que certifica produtos que contêm algodão americano, e ainda promove estudos, visitas, missões e a divulgação de inovações em tecnologia, mistura de tecidos, design e moda.

A Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão) patrocinou uma bela campanha para promover o uso do produto no Brasil, com o lema “Sou de Algodão”.

Fizemos uma revolução no campo. É hora de construir uma imagem sólida para o algodão brasileiro no exterior, diferencia­ndo-o no coração e na mente de nossos clientes e consumidor­es, que, na sua maioria, vivem do outro lado do planeta.

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