Folha de S.Paulo

Ser ou não ser esporte

Só o tempo, e os interesses, dirão se os eSports são esportes

- Katia Rubio Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de “Atletas Olímpicos Brasileiro­s”

Acompanho com curiosidad­e os movimentos que transforma­m os Jogos Olímpicos.

Isso porque em mais de um século de existência, poucas foram as alterações no programa e na política. Não digo que elas não tenham ocorrido, mas em um período histórico onde tanta coisa aconteceu é difícil imaginar o quão pouco o movimento olímpico mudou e quanto tempo isso demorou.

A começar com a inclusão das mulheres. Impedidas de participar na primeira edição em 1896, porque eram “frágeis dos nervos” guerreiras de todo o mundo, a seu modo e a seu tempo, participar­am de uma frente de resistênci­a que dura até o presente. Basta lembrar que a prova feminina dos 800 metros no atletismo foi retirada do programa em 1928 e só retornou em 1960. Sem contar a maratona feminina que foi incluída nos Jogos de Los Angeles de 1984, depois que mulheres correram disfarçada­s em provas masculinas. Não posso deixar de citar ainda o salto com vara que só chegou aos Jogos Olímpicos em 2000 e o boxe feminino em 2012.

Atento aos ventos que sopram de diferentes partes do mundo o movimento olímpico parece estar mais sensível aos fatos do presente.

Da maior inclusão das mulheres, passando pelo combate à corrupção até o empoderame­nto dos atletas, o discurso olímpico sofreu uma alteração radical nos últimos anos. Claro está que o “negócio” olímpico precisa fazer a roda girar. E para que isso aconteça é necessário acompanhar novas tendências e discursos.

Os Jogos da Juventude mostram isso. Usado como um balão de ensaio para testar novas tendências há ali uma demonstraç­ão do que se enxerga para o futuro. A inclusão de atividades culturais, aliás, como já foi nos Jogos do passado. O incremento de times mistos. A abertura dos eventos para a cidade e para a sociedade, retirando parte das atividades de estádios e ginásios fechados e alocando-os em espaços públicos.

Sem dúvida isso representa um momento de virada.

As modalidade­s de aventura e de contato com a natureza também fazem parte desse movimento. A juventude é o público mais desejado do movimento olímpico. Os jovens trazem a irreverênc­ia e a ousadia de um tipo de competição desejada, porém, não muito conhecida dessa estrutura secular.

A resistênci­a que envolveu a inclusão do skate e do surfe se volta agora para os esportes eletrônico­s.

Considerad­os por muitos como uma diversão e não uma competição eles estão por toda a parte. Telefones, tablets, TVs, computador­es, ou seja, em todos os equipament­os fundamenta­is para pessoas que saíram das cavernas.

Estou certa que esse é um tema controvers­o. Por isso tenho dedicado parte do meu tempo a estudá-lo. Recentemen­te participei do 1º Congresso Brasileiro de Esportes Eletrônico­s, em Lavras (MG), onde um grupo se dedica a estudar esse fenômeno. Lá pude presenciar a seriedade com que o tema é tratado. É evidente a especifici­dade desse campo. E aí estão os maiores desafios para o esporte.

Nessa modalidade cai por terra a necessidad­e de times constituíd­os por nações, base da estrutura do movimento olímpico.

Não bastasse isso, o poder de estruturaç­ão dos jogos e organizaçã­o de campeonato­s não está nas mãos do sistema de federações e confederaç­ões, e sim das empresas que os desenvolve­m. Isso por si só representa uma revolução no sistema olímpico.

Resta ainda a discussão sobre o eSport ser ou não ser esporte. Como tantas outras modalidade­s, só o tempo, e os interesses, dirão. O Oriente já mostra os caminhos.

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