Folha de S.Paulo

Rapper Baco Exu do Blues, o ‘Kanye West baiano’, lança seu segundo álbum

‘Bluesman’, segundo álbum de Baco Exu do Blues, não é fiel ao gênero musical, mas ao espírito de luta contra a opressão; artista baiano de 22 anos se compara a rapper americano

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Lucas Brêda

“Queria fazer um disco de blues, só que sem cantar blues”, afirma Diogo Moncorvo, 22, tentando elencar as origens de seu segundo álbum, o recém-lançado “Bluesman”.

O rapper baiano, mais conhecido pela alcunha de Baco Exu do Blues, não toca guitarra e seu disco não soa como o célebre ritmo americano. Para ele, ser bluesman é ter impulso para sair de baixo. “É qualquer tipo de pessoa que já se sentiu oprimida, subjugada ou desvaloriz­ada —e não quer mais estar nesse lugar.”

Baco tenta trazer para o presente a mesma dinâmica que levou os escravos das plantações de algodão do sul dos Estados Unidos a lidarem com o sofrimento da opressão e do racismo por meio da arte. Antes, com o blues. Agora, com o hip-hop.

Mais do que um discurso coletivo de superação, contudo, “Bluesman” é a materializ­ação de uma trajetória particular de conquistas.

Na faixa “B. B. King”, a derradeira do novo disco, Baco canta que “entrou duas vezes para a história em dois anos, só com 22 anos”. Ele se refere a 2016 e 2017, período em que foi de MC promissor à linha de frente do hip-hop nacional com dois lançamento­s de peso.

Primeiro, graças à faixa-protesto “Sulicídio”, parceria com o pernambuca­no Diomedes Chinaski, que foi um marco.

Sem poupar xingamento­s, a música chegou como um desabafo, colocando em xeque os privilégio­s dos rappers do eixo Rio-São Paulo e reclamando os holofotes para o Nordeste.

Depois, com seu primeiro álbum, o elogiado “Esú” (2017), Baco ganhou visibilida­de para além do rap. Alavancado pelo hit “Te Amo Disgraça”, o trabalho uniu samples da música brasileira (Novos Baianos, Arthur Verocai) às batidas eletrônica­s do trap. “Esú” levou o rapper aos palcos de todo o Brasil, além de render prêmios, a simpatia da crítica e um status de celebridad­e.

Entre os discos, ele também se mudou de Salvador para São Paulo. “É muito duro, mas [em Salvador] você não consegue arrecadar dinheiro para fazer os projetos nem ter a atenção devida. Existe um mecanismo gigante que não enxerga algo que não seja aprovado pela crítica.”

Apesar de abrir muitas portas, “Esú” também foi resultado de um período conturbado, em que ele conviveu com a depressão. “Não é como se minha saúde mental tivesse melhorado muito”, diz. “Só que ‘Esú’ foi minha fase autodestru­tiva, enquanto ‘Bluesman’ é por que eu não me destruí.”

Se há um ano Baco debatia a dificuldad­e de lidar com as expectativ­as externas, o momento agora é de afirmação pessoal como artista e homem negro. A capa de “Bluesman” é um símbolo de resistênci­a: um presidiári­o empunhando uma guitarra, em foto de João Wainer, no Carandiru.

As referência­s vão de ícones negros, como Exaltasamb­a e Jay-Z, a artistas do peso de Van Gogh e Jorge Luis Borges.

Mas a citação mais curiosa do disco é ao rapper americano Kanye West, respeitado como artista, apoiador de Donald Trump e polemista em suas declaraçõe­s. Recentemen­te, chegou a dizer (para depois desdizer) que a escravidão foi uma “escolha”. Em uma faixa, Baco se define como o “Kanye West da Bahia”.

“Aquilo era o ego dele falando, que se houvessem vários Kanye West nós não seríamos escravizad­os”, afirma Baco. “Todas as revoltas escravista­s foram boicotadas pelos próprios negros. E eu não os culpo. Mas é a forma dele dizer que não faria essas coisas.”

O Kanye West da Bahia, no entanto, prefere não anunciar apoio a políticos. “A aproximaçã­o de Kanye com Trump foi uma forma de ele mostrar que é livre, fazer algo que não queriam que ele fizesse. Para o bem e para o mal, ele é bluesman. Eu não apoiaria Trump como não apoio Bolsonaro. Quero ter a criativida­de e a liberdade que [Kanye] tem, deixando claro que não compactuo com certas coisas.”

“Bluesman” firma Baco como expoente de uma nova geração do hip-hop nacional, ao lado do carioca BK e do mineiro Djonga. Mas o baiano não vê motivos para festa.

“Esse disco é para dar força [aos negros], da mesma maneira que ele me deu força. É mais sobre luta do que sobre celebração. Há apenas uma celebração pessoal. Passei por estágios de suicídio e não me matei, então, é algo que tenho de comemorar. Em um momento em que pretos são caçados, estou vivo. Temos que celebrar que estamos vivos, dar força aos nossos. Enquanto a gente ficar se lamentando, nada vai acontecer”. Alguém que cria um codinome com Baco, deus dos excessos, e Exu, orixá do movimento, não pode gostar de mesmice.

Existem nas faixas de “Bluesman” versos que remetem a faixas de “Esú”. Mas Baco Exu do Blues não parece querer repetir o sucesso do álbum anterior, e sim dobrar a aposta.

Há mais ódio ao racismo, mais dores de amor, mais empenho em ser um rapper singular, tangencian­do o isolamento.

(Em tempos de conservado­rismo triunfante, talvez valha avisar que também continuam fartos os palavrões.)

“Por que os rappers rezam para eu parar com o rap?/ Tudo que eu ouço soa igual, eu cansei do rap”, diz ele em “Kanye West da Bahia”, faixa com participaç­ões de DKVPZ e Bibi Caetano.

Há uma reverência ambivalent­e ao multimilio­nário rapper, apoiador de Donald Trump. Assim como há humor na fossa de “Me Desculpa, Jay-Z” (cantada com o projeto 1LUM3), em que é citado o casal 20 do hip-hop. “Tá tudo confuso como meus sonhos eróticos com aB eyoncé/ Medes culpa,Jay-Z, queria ser você.”

Esta faixa, com enorme potencial radiofônic­o, prova ao lado de “Queima Minha Pele” (duo com Tim Bernardes, jovem autor de maduras canções tristes), “Girassóis de Va nG ogh”ed os oul“Flam ingos ”( gravado com abanda Tuyo) que Baco Exu do Blues tem um apuro melódico raro no rap, gênero de sonoridade proposital­mente repetitiva.

A suavidade que consegue imprimir em algumas composiçõe­s ecoa versos doloridos ou delicados, outro aspecto em que ele destoa do universo do rap, ainda muito machista e durão. “Lágrimas são só gotas, o corpo é enchente”, canta na música “Bluesman”.

Ele também é mais antropofág­ico do que a maioria de seus pares. Cita Jorge Luis Borges e Exaltasamb­a, Van Gogh e o rapper ASAP Rocky, Basquiat e Cristiano Ronaldo.

Se tudo cabe no rap, como ele parece querer dizer, por que não chamar rap de blues? A rigor, o som do blues mal aparece —a principal exceçãoéav oz e aguitarra de Muddy Waters na abertura. O gênero é usado como emblema de tudo o que é ou pode ser negro. “Jesus é blues”, canta Baco do Exu em “Bluesman”.

“Eu não acredito no seu Deus branco”, entoa em “Preto e Prata”, um de seus raps mais potente seque tem um ótimo achado de some palavra :“Nós vive pela prata tata tata tata (...) Nós negros somos prata tata tata tata .”

No final da última faixa, “B. B. King ”, vem um discurso manifesto a princípio dispensáve­l, masque resumes em música o que ele vem querendo dizer. “Não sou legível, não sou entendível. Sou meu próprio deus. (...) Só eu posso me descrever. Vocês não têm esse direito.”

Baco Exu chega a cantar em “Kanye West da Bahia”: “Eu sou o preto mais odiado que você vai ver”. O sucesso que tem feito mostra que a frase não lhe cabe. Endeusado (com ou sem trocadilho) pela imprensa, é um artista de apenas 22 anos, ainda com muito afaze recoma coragem (e as dores) de fazer isso em praça pública, com o peito aberto.

O disco é mais sobre luta do que sobre celebração. Há apenas uma celebração pessoal. Passei por estágios de suicídio e não me matei, é algo que tenho de comemorar. Em um momento em que pretos são caçados, estou vivo Baco Exu do Blues

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Fotos Zanone Fraissat/Folhapress O compositor Baco Exu do Blues durante sessão de fotos no centro de São Paulo
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CRÍTICA BluesmanLu­iz Fernando Vianna Artista: Baco Exu do Blues. SeloEAEO Records. Disponível nas plataforma­s digitais; deve ser lançado em vinil, sem previsão de data
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