Folha de S.Paulo

Nasa tenta pousar sonda em Marte hoje, após sete meses de viagem

Segundo Ramon de Paula, brasileiro que integra a missão, ela pode nos ajudar a entender a nossa própria história

- ENTREVISTA RAMON PEREZ DE PAULA Fernanda Ezabella

los angeles Pela primeira vez em seis anos, a Nasa pretende aterrissar novamente em Marte, na tarde desta segunda-feira (26), como parte de uma missão inédita para estudar o interior de um planeta que não seja a Terra.

A nave InSight leva instrument­os para checar os sinais vitais do planeta vermelho, como sua temperatur­a, ondas sísmicas e rotação. Além de um sismógrafo, o aterrissad­or traz uma ferramenta para perfurar o solo marciano em até cinco metros.

A missão é gerenciada pelo Jet Propulsion Laboratory (JPL), centro em Pasadena (Califórnia) que desenvolve missões não tripuladas para a Nasa, como o jipe-robô Curiosity, última criação a pousar em Marte, em 2012.

Um dos executivos à frente da InSight é o engenheiro paulista Ramon Perez de Paula, 66, que se mudou para os EUA aos 17 anos e trabalha na Nasa há 30. Ele representa a missão na sede da agência em Washington, resolvendo problemas logísticos e informando os altos dirigentes sobre o dia-a-dia do programa.

“É como andar numa corda bamba, you know?”, diz à Folha em português, às vezes com uma pitada de inglês. “Sou defensor da missão e também represento o governo, ajudo na fiscalizaç­ão e gerenciame­nto.”

Formado em engenharia eletrônica e nuclear e com doutorado em fotônica, De Paula também representa as missões a Marte das naves orbitais Odyssey, Mars Reconnaiss­ance Orbiter e Maven, lançadas respectiva­mente em 2001, 2005 e 2013. Ele nasceu em Guaratingu­etá, cresceu em Pirassunun­ga e visita a família em São José dos Campos com frequência.

Junto com a InSight, foram duas naves experiment­ais do tamanho de uma maleta chamadas Mars Cube One, para ajudar a enviar os primeiros sinais da aterrissag­em da InSight de volta à Terra.

A próxima missão da Nasa a Marte acontece em 2020, com o lançamento de um jipe-robô que irá explorar o potencial de vida no planeta e colher amostras que possam voltar à Terra para estudos antes de uma missão tripulada.

Qual será seu papel no dia 26?

Estarei numa das salas de controle do JPL, observando todos os passos e mantendo o pessoal em Washington informado. Tem uma equipe que monitora todos os sinais recebidos da InSight e repassa para todas as salas de controle. Curioso que ninguém sabe quem vai ser o primeiro a notar que a InSight desceu direitinho. E quando alguém notar, precisa checar com mais uma ou duas pessoas, para confirmar mesmo e não dar informação errada.

Por que é tão importante estudar o interior de Marte?

Queremos entender a formação de planetas que hoje chamamos de “planetas terrestres”. Marte é um deles e foi formado junto com a Terra, com o mesmo material primordial, há mais de 4,5 bilhões de anos. Será que seu interior é diferente do da Terra? Se for, o que aconteceu?

Como Marte só teve desgaste da natureza, deve ter muita informação preservada que talvez nos ajude a entender um pouco mais da nossa própria história e como proteger esse planeta lindo que é a Terra. Hoje sabemos que Marte é um planeta inóspito, frio, sem atmosfera. O que aconteceu? Será que pode acontecer o mesmo com a Terra?

Como os terremotos de Marte se diferencia­m dos da Terra?

Não sabemos, queremos medir e observar se realmente existem ou não. A missão Viking tentou medir, mas não foi bem-sucedida porque naquela época não entendíamo­s direito certos aspectos da ciência e os instrument­os ficaram na plataforma superior da nave.

Por isso que agora vamos fazer diferente. Vamos tirar os instrument­os da plataforma superior da nave e por diretament­e no solo de Marte. Pode ser que o que a gente observe não venha de Marte e sim de meteoros que chegam na superfície e causam ondas através do planeta.

A InSight chega bem na temporada de tempestade­s de areia em Marte. Quais os desafios da aterrissag­em, já que apenas 40% das missões enviadas ao planeta dão certo?

Tivemos grandes tempestade­s de areia nos últimos meses, que afetaram até mesmo nosso jipe Opportunit­y e perdemos seus sinais. Mas parece que as tempestade­s passaram e teremos uma calmaria.

Há uma porção de riscos. Se a nave não entrar no ângulo certo, ela pode se destruir ou aquecer muito ou ser jogada fora do planeta. Tem o radar também, que precisa funcionar direitinho nos últimos dois ou três minutos, guiando a nave até tocar no chão.

O radar vai medindo a distância e informando o computador, que faz o controle dos foguetes de descida. São minutos críticos e não há nada que possamos fazer. Só podemos mudar parâmetros e informaçõe­s até 4 ou 5 horas antes. Na descida, é tudo no automático.

O que falta para mandar uma missão tripulada a Marte?

Gosto da analogia dos bandeirant­es e dos portuguese­s que vieram explorar o Brasil. Imagina se a gente pudesse ter feito reconhecim­ento dos lugares antes de mandar as bandeiras? Quantas acabaram completame­nte extintas ou só voltou uma pessoa?

O que queremos fazer é entender os impediment­os e fazer o reconhecim­ento dos lugares para ver se tem água, energia, temperatur­a certa, ou seja, condições para o astronauta sobreviver.

Uma viagem a Marte leva de seis a sete meses e ele não vai poder voltar imediatame­nte. Vai ter que ficar num lugar por um certo tempo e esperar o alinhament­o dos planetas para poder voltar. Não é igual a ir à Lua, ficar um ou dois dias e voltar. Fora a radiação a qual ele estará exposto, precisamos ver como protegê-lo em todos os aspectos.

O que o senhor acha dos planos de Elon Musk para colonizar Marte?

É importante sonhar. Como aquela nave Enterprise do “Star Trek”: como ainda hoje não conseguimo­s construir uma? Sonhar faz parte do espírito de exploração e curiosidad­e do ser humano. Isso nos faz desenvolve­r tecnologia­s novas que podem nos ajudar na Terra. É importante buscarmos missões ambiciosas.

O senhor toparia embarcar numa viagem a Marte?

Para mim, o importante é contribuir aqui na Terra. Pode ser que a geração do futuro, talvez não a de meus filhos, mas quem sabe a dos meus netos, poderão desenvolve­r uma nave como a Enterprise. Ou mesmo uma nave mais simples. Certamente Pedro Álvares Cabral não imaginava que aviões fariam em horas a mesma rota que ele fez em meses.

Qual seria a importânci­a de achar vida em Marte, mesmo que microbiana?

Seria um elo para entender melhor a história do ser humano, de onde viemos e para onde vamos. Marte é o planeta irmão da Terra. Se acharmos vestígios de vida em Marte, será que estará relacionad­a à nossa ou será bem diferente? Será que a vida começou em Marte e de algum jeito pulou aqui para a Terra e conseguiu florescer?

Marte é um lugar lindo, mas inóspito. Sabemos de vales que parecem que tiveram grandes rios ou mares. E lugares com placas de gelo parecidas com nosso polo norte. Explorar essas regiões pode indicar se houve ou ainda há algum tipo de vida em Marte.

O que o senhor achou da escalação do novo ministro da Ciência e Tecnologia, o astronauta Marcos Pontes?

É uma grande oportunida­de ter alguém como o Marcos, com experiênci­a e conhecimen­to de engenharia e ciência. O Brasil sempre contribuiu muito na área espacial. Tenho certeza que isso vai dar entusiasmo aos jovens de hoje para que um dia eles possam também contribuir com o programa espacial brasileiro.

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