Folha de S.Paulo

Sem Cuba, governo discute como levar médicos ao interior

Metade dos médicos do país está nas capitais, e governo debate como atrair profission­ais ao interior

- Natália Cancian Bernardo Dantas-12.set.2013/Folhapress

Está em estudo a criação de um plano de carreira para levar médicos ao interior do país. Outras propostas são dar descontos aos formados com dívidas no Fies caso trabalhem em áreas de difícil acesso e serviço civil obrigatóri­o aos que recebem financiame­nto público.

O anúncio da saída de cerca de 8.500 médicos cubanos do Mais Médicos, medida que pode afetar o atendiment­o de até 24 milhões de brasileiro­s, levou o governo a fazer um edital emergencia­l para selecionar profission­ais para as vagas.

A resposta foi imediata. Na prática, porém, essa ampla adesão é vista com ressalvas.

Dados do Ministério da Saúde apontam que, apesar do aumento da procura aos editais do programa, cerca de 30% dos brasileiro­s desistem das vagas após um ano. Já entre os estrangeir­os, esse índice é de menos de 3%.

E, embora o número de médicos no país tenha crescido recentemen­te, metade deles ainda se concentra nas capitais, segundo dados da pesquisa Demografia Médica, da USP.

O impasse em torno de um dos maiores programas federais na saúde acabou por reacender uma discussão antiga no setor: afinal, o que fazer para levar médicos ao interior?

Desde que foi anunciado como futuro ministro da Saúde, o deputado federal Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) tem dado sinais do que deve ser uma das bandeiras da próxima gestão: a carreira de Estado para médicos em áreas de difícil acesso ou com carência de profission­ais.

A proposta, que já constava no plano de governo de Jair Bolsonaro (PSL), tem sido alvo de discussão entre membros da transição. A ideia é sugeri-la ao novo ministro como estratégia a médio prazo.

Neste caso, profission­ais seriam deslocados para regiões mais remotas e, conforme a progressão na carreira, passariam a áreas mais próximas das capitais. A medida ocorreria em paralelo com o Mais Médicos, que poderá ser reformulad­o. “Vamos ter que discutir as bases. Será que vai continuar a se chamar Mais Médicos ou vai se chamar Mais Saúde?”, afirmou Mandetta à imprensa nesta semana.

Além de um plano de carreira, a exigência de revalidaçã­o do diploma para brasileiro­s formados no exterior e estrangeir­os é outro ponto no centro das discussões.

Membros do grupo de transição afirmaram à Folha que planejam sugerir ao novo ministro que a medida seja obrigatóri­a em novos contratos do programa já no ano que vem.

A ordem de seleção, neste caso, manteria a prioridade a brasileiro­s, seguida de brasileiro­s formados no exterior e estrangeir­os.

O problema é que, neste ano, o edital previsto para o exame, chamado de Revalida, nem chegou a ser lançado. Não há previsão do próximo.

Em meio a essa crise, o governo atual já negocia mudanças na periodicid­ade e na aplicação das provas, o que aumentaria as chances de entrada de novos profission­ais.

Há também outras propostas na mesa. Uma delas é criar mecanismos para que médicos formados que tenham dívidas no Fies (Fundo de Financiame­nto Estudantil) possam ter desconto nesse montante caso atuem por determinad­o período no interior, afirmou à Folha o atual ministro da Saúde, Gilberto Occhi.

Apesar de favorável à medida, Occhi diz que o avanço da discussão ainda nesta gestão deve ser condiciona­do ao índice de comparecim­ento de brasileiro­s às vagas do Mais Médicos. “Vamos esperar a próxima semana para decidir.”

Enquanto isso, outras propostas também têm ganhado espaço nas discussões.

É o caso do serviço civil obrigatóri­o para profission­ais que recebem financiame­nto público para a formação. Atualmente, a sugestão consta em mais de 24 projetos de lei no Congresso e é alvo de análise por representa­ntes dos ministério­s da Saúde e da Educação.

Segundo Occhi, a medida poderia valer para qualquer um que faça uma faculdade pública federal —e não apenas para alunos de medicina.

A proposta, porém, pode gerar críticas quanto à constituci­onalidade, em princípios como o direito à educação e liberdade, afirma Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP e coordenado­r do estudo Demografia Médica.

Para ele, não há solução mágica. “Garantir médicos em áreas desassisti­das é um problema em vários países do mundo. E o que estudos demonstram é que as respostas não são únicas, nem duráveis nem satisfatór­ias”, avalia.

Scheffer lembra que, nas últimas décadas, o Brasil já teve propostas para tentar levar profission­ais ao interior, mas boa parte enfrentou impasses ou acabou abandonada.

É o caso, por exemplo, de discussões de carreira de estado para áreas de difícil acesso no SUS. “Há uma tradição de governos de não dar continuida­de às discussões”, afirma.

Favorável à carreira de Estado para o SUS, Hermano Castro, diretor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, defende ainda que haja maior atenção na formação de médicos para tentar atraílos à atenção básica e abertura ou deslocamen­to de faculdades públicas, e não particular­es, no interior do país.

“Uma faculdade privada vai formar quadros para mercado pago. Temos que sair dessa armadilha”, avalia.

Já para Donizetti Dimer Giamberard­ino Filho, coordenado­r da comissão Pró-SUS do Conselho Federal de Medicina, a baixa remuneraçã­o e a falta de estrutura e condições de trabalho em algumas regiões colaboram para dificultar a ida de médicos ao interior.

Segundo ele, o ideal seria investir em políticas de estruturaç­ão do SUS e na carreira de Estado para médicos, mas em nível mais amplo. “Hoje, nas cidades pequenas, o futuro do médico termina na próxima eleição para prefeito. Defendo que a operação da atenção básica seja dos municípios, mas a organizaçã­o ocorra a nível federal”, afirma.

Scheffer, no entanto, alerta que uma proposta de plano de carreira em nível mais amplo pode esbarrar em problemas devido ao alto custo.

Também poderia gerar críticas sobre a isonomia em relação a outras profissões, afirma. “Temos hoje múltiplos empregador­es na rede pública. Seria impossível, por exemplo, fazer um plano de carreira para o SUS inteiro.”

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Pacientes aguardam atendiment­o em posto de saúde de Santa Maria do Cambuca (PE), onde atuavam cubanos do Mais Médicos
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