Folha de S.Paulo

Acordo para saída britânica da União Europeia é aprovado

Após aval, bloco insta Parlamento britânico a não rejeitar proposta de ‘brexit’ de Theresa May

- Lucas Neves

Líderes europeus reunidos em Bruxelas aprovaram por unanimidad­e, na manhã deste domingo (25), o acordo que fixa os termos para o “brexit”, a saída britânica da União Europeia (UE). O grupo de presidente­s e primeiros-ministros de 27 países também referendou a declaração política sobre a relação futura entre o Reino Unido e o bloco continenta­l.

“Hoje é um dia triste. Ver a Grã-Bretanha sair da União Europeia não representa um momento de alegria ou celebração. É uma tragédia”, disse Jean-Claude Juncker, presi- dente da Comissão Europeia.

O presidente da França, Emmanuel Macron, adotou tom distinto, apontando o desligamen­to da segunda maior economia do bloco como alerta sobre a necessidad­e de este se reinventar. “Isso mostra que a UE tem um lado frágil, precisa ser melhorada”, afirmou.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, também optou por um discurso menos sorumbátic­o. “Hoje é o início de um debate nacional crucial [para o Reino Unido]. Não me sinto triste. Estamos deixando a União Europeia, não a Europa. Nossos melhores dias ainda estão por vir.”

Segundo a chefe de governo, o acordo contempla em diversas frentes o desejo expresso pelo voto majoritári­o no “leave” (sair) no plebiscito de junho de 2016: permite o aumento do controle das fronteiras nacionais, interrompe os pagamentos anuais à UE (deixando mais recursos para prioridade­s britânicas) e tira o país da jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça.

Os britânicos se despedem do bloco em 29 de março de 2019, depois de 46 anos —será a primeira baixa da história do consórcio transnacio­nal. Um período de transição deve se estender até o fim de 2020 (ou por mais um ou dois anos, caso Londres julgue necessário). Nessa fase, o Reino Unido continuará tendo acesso irrestrito ao mercado comum europeu, mas não participar­á da tomada de decisões colegiadas.

As negociaçõe­s sobre o teor do acordo de “divórcio” se arrastaram por meses. Na reta final, o grande impasse dizia respeito ao “backstop”, uma garantia exigida pela Irlanda (país-membro da UE) de que, caso as conversas bilaterais sobre a relação comercial futura não prosperass­em até o fim da etapa de transição, não voltaria a haver uma “fronteira dura” (ou seja, um controle rigoroso de mercadoria­s e pessoas) no limite com a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido).

Os europeus acabaram aceitando a proposta de May de incluir todo o Reino Unido em uma união aduaneira temporária com a UE, e não só a Irlanda do Norte, como aventado inicialmen­te por Bruxelas —a sugestão havia sido vista por alguns como ataque à soberania britânica.

Os negociador­es de ambos os lados chegaram a versões definitiva­s dos dois textos no dia 13. May conseguiu apoio de seu gabinete para os documentos, apesar de algumas defecções duras (um dos que renunciara­m foi o secretário responsáve­l justamente pela condução do “brexit”).

A cúpula europeia esteve ameaçada por um fator insólito. A Espanha exigia de Londres garantias de que Gibraltar, pequeno território britânico na ponta da península Ibérica (com 30 mil habitan- tes), só seria coberto por qualquer acerto sobre a relação comercial futura do bloco com o Reino Unido sob o consentime­nto de Madri.

Os espanhóis pleiteiam há anos a retomada do pequeno perímetro, cedido à Coroa Britânica em 1713. No sábado (24), o embaixador britânico na UE assumiu tal compromiss­o, desarmando a saia justa.

May agora tem diante de si talvez o maior desafio da longa jornada para pôr em marcha o “brexit”. Precisa da aprovação de seu Parlamento, em votação prevista para a segunda semana de dezembro.

Pelo menos 80 membros de seu Partido Conservado­r já anunciaram que se opõem ao acordo, o que torna altamente improvável sua ratificaçã­o —o governo precisa de 320 votos favoráveis, e os correligio­nários de May são 315.

Se o texto for rechaçado, o gabinete de May terá três semanas para apresentar uma nova versão ou optar por um adeus “duro” à UE, sem acordo (cenário que os britânicos chamam de “no deal”).

Líderes europeus e a própria May deixaram claro que as rodadas de negociação chegaram ao fim, ou seja, que as condições incluídas no documento a ser apreciado pelo Parlamento são definitiva­s.

“Negociamos com o Reino Unido, jamais contra ele”, disse o negociador-chefe pelo lado europeu, Michel Barnier, antes de instar os parlamenta­res daquele país a aprovar o texto. “Agora é hora de todo mundo assumir sua responsabi­lidade, todo mundo.”

Além da elaboração de uma nova versão do acordo ou do “divórcio litigioso”, o leque de opções caso o Parlamento britânico diga “não” inclui a realização de uma nova consulta popular ou até a convocação de eleições gerais.

A primeira-ministra tem repetido que um plebiscito 2.0 está fora de cogitação —voltou a fazê-lo neste domingo, apesar do apelo de figuras de proa da política de seu país, como o ex-premiê Tony Blair.

Quando o imbróglio doméstico for resolvido, as cláusulas da separação ainda precisarão do aval do Parlamento Europeu. Isso deve acontecer em fevereiro ou março de 2019, às vésperas do Dia D do “brexit”.

 ?? Emmanuel Dunand/ AFP ?? Primeirami­nistra Theresa May deixa entrevista coletiva após reunião emBruxelas
Emmanuel Dunand/ AFP Primeirami­nistra Theresa May deixa entrevista coletiva após reunião emBruxelas

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