Folha de S.Paulo

Saúde: não só acesso, mas também qualidade

É preciso ter redes regionais de atendiment­o do SUS

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Raul Cutait, Carlos Del Nero e André Medici Professor da Faculdade de Medicina da USP e membro da Academia Nacional de Medicina Consultor do setor de saúde e do Conselho Superior de Responsabi­lidade Social da Fiesp Economista de saúde do Banco Mundial

Pesquisa do Ibope-CNI divulgada em setembro mostra que 89% dos brasileiro­s consideram a atuação do governo no setor saúde como ruim ou péssima. Essa má percepção decorre das dificuldad­es de acesso, como as longas esperas para consultas, exames e cirurgias, além de outro importantí­ssimo aspecto, que é a qualidade do atendiment­o oferecido.

Não há dúvida de que o Brasil avançou no setor da saúde com a criação do SUS, há 30 anos, estabeleci­do sob a égide da universali­dade, integralid­ade e equidade. Nessas três décadas foi possível conhecer seus aspectos positivos, mas também suas principais insuficiên­cias, em especial a ineficiênc­ia, recém-avaliada em relatório do Banco Mundial, bem como o subfinanci­amento e o modelo vigente de operação e gestão centrado nos municípios.

Desde o início implantou-se um sistema descentral­izado, com participaç­ão das esferas federal, estadual e municipal, porém com gestão baseada em responsabi­lidade das esferas municipais desproporc­ional às estaduais.

Embora a descentral­ização tenha sempre sido entendida como uma maneira de tornar o sistema público mais efetivo, o fato é que 85% dos municípios brasileiro­s têm menos de 40 mil habitantes e serviços de saúde restritos, enquanto que os de maior porte têm gastado até 30% dos seus orçamentos sem conseguir suprir as necessidad­es dos seus munícipes.

Esse cenário permite dizer que está mais do que na hora de se revitaliza­r o SUS, de modo a torná-lo um sistema mais eficiente e efetivo, que permita não só empregar de forma racional os limitados recursos financeiro­s disponibil­izados, mas também facilitar o acesso da população ao sistema, em todos os níveis de complexida­de, com ênfase na qualidade do atendiment­o.

Um caminho natural para essas mudanças é a implantaçã­o de redes regionaliz­adas de atendiment­o, algo contemplad­o no artigo 198 da Constituiç­ão. Assim, a proposta é que sejam criadas redes regionais em todo o país, de forma inovadora, nas quais o cidadão seja o foco maior e não a estrutura do sistema —redes estas fortemente conectadas e apoiadas por tecnologia de informação e com incentivos financeiro­s calcados em resultados. Nesse modelo, as situações mais simples serão resolvidas localmente e as de maior complexida­de encaminhad­as para centros especializ­ados, mais bem equipados e com equipes mais capacitada­s, que poderão, agora sim, dar o necessário toque de qualidade.

Uma rede regional, para funcionar apropriada­mente e poder ser avaliada de forma contínua, dependerá de uma sólida base de dados capaz de gerar informaçõe­s administra­tivas, clínicas e financeira­s.

Possíveis integraçõe­s entre os sistemas públicos e privados locais devem ser avaliadas e eventualme­nte contemplad­as. Recente e profundo estudo realizado na Fiesp analisou toda a experiênci­a disponível no mundo sobre o tema de redes de atenção à saúde e propôs um projeto piloto de rede regional no estado de São Paulo, com a participaç­ão efetiva dos prefeitos da região escolhida, o qual já está em sua fase inicial.

Com o apoio dos vários níveis governamen­tais, esperamos que em futuro próximo seja possível estabelece­r na prática um modelo que possa ser reproduzid­o em todo o país, com os devidos ajustes locorregio­nais, o que acreditamo­s dará ao SUS melhores condições de oferecer aos brasileiro­s, com maior eficiência, melhor acesso e mais qualidade de atendiment­o e, dessa forma, realizar sua fundamenta­l missão de cuidar da saúde dos brasileiro­s.

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