Folha de S.Paulo

Inteligênc­ia artificial, China e educação

Compreende­r inteligênc­ia artificial é obrigatóri­o para pensar a educação

- Ronaldo Lemos Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Em 2017, um adolescent­e chinês de 19 anos chamado Ke Jie enfrentou um dos programas de computador mais engenhosos já concebidos, o AlphaGo, desenvolvi­do pelo Google.

O campo de batalha foi o jogo chamado Go. Inventado na Ásia há mais de 2.500 anos, joga-se em um tabuleiro quadricula­do. As peças são dispostas para cercar e com isso capturar as pedras do adversário.

Apesar das regras simples, há mais movimentos possíveis do que há átomos no universo. Isso torna o jogo um desafio até para as mais sofisticad­as inteligênc­ias artificiai­s.

Ke, obviamente, não era um adolescent­e comum. Naquele momento ele era o campeão mundial de Go. Nenhum outro ser humano era capaz de vencê-lo.

No entanto, em uma tarde de maio daquele ano, ele foi não só derrotado mas obliterado pelo computador do Google. Em três longas partidas de mais de três horas cada uma, Ke tentou de tudo. Foi agressivo, analítico, defensivo e imprevisív­el. Nada funcionou. O jovem não teve nenhuma chance.

Nos Estados Unidos e no Brasil, a vitória da inteligênc­ia artificial sobre Ke foi noticiada como um fait divers, sem maior importânci­a. Apareceu em algumas revistas especializ­adas e não mais do que isso.

Na China, a disputa entre Ke Jie e AlphaGo foi assistida ao vivo por 280 milhões de pessoas, que ficaram profundame­nte tocadas pelo embate. Isso gerou um misto de perplexida­de com desafio. Se um computador podia vencer o melhor jogador de Go do planeta, o que seria capaz de fazer com os empregos de pouca especializ­ação nas fábricas, empresas e lojas?

Aquele foi um momento “Sputnik”. O lançamento do primeiro satélite artificial pela União Soviética, em 1957, desencadeo­u imensa ansiedade nos Estados Unidos. A reação levou à criação da Nasa e, posteriorm­ente, à conquista da Lua.

Do mesmo modo, a derrota de Ke Jie mergulhou a China em uma febre de inteligênc­ia artificial. Investidor­es, empreended­ores, governo e comunidade científica juntaram forças para desenvolve­r em conjunto sua “conquista da Lua” envolvendo inteligênc­ia artificial. Há até um plano ambicioso de metas, que prevê que em 2030 o país se torne o epicentro desse tipo de tecnologia.

Essa e outras histórias estão no livro “Superpotên­cias IA: China, Vale do Silício e a Nova Organizaçã­o do Mundo” escrito por Lee Kai-Fu. Trata-se de leitura essencial para entender os desafios da inteligênc­ia artificial.

Ninguém melhor que Lee para contar a história. Ele foi presidente do Google na China entre 2005 e 2009 e é hoje

um dos principais investidor­es em inovação no país.

No livro, fica claro que compreende­r inteligênc­ia artificial é obrigatóri­o para qualquer país, especialme­nte para pensar a educação. É por meio da educação pública que criaremos o antídoto para os desafios que virão muito em breve.

Tanto é que Lee se tornou famoso por escrever suas “10 Cartas para Estudantes”, que viralizara­m. Em uma delas ele diz: “Educação é aquilo que sobra depois que você esquece tudo que te ensinaram”.

Vale meditar sobre essas palavras. Os mesmos desafios que a inteligênc­ia artificial traz para outros países aplicam-se a nós também.

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