Folha de S.Paulo

Redução da desigualda­de no Brasil estagnou, diz estudo da Oxfam

Dados referentes a 2016 e 2017 mostram primeira interrupçã­o desde o início da queda em 2002

- Fabiano Maisonnave

Relatório da Oxfam Brasil revela que a redução na desigualda­de de renda estancou pela primeira vez em 15 anos. O documento atribuiu a piora a uma série de limitações econômicas, em particular à recessão, ao aumento do desemprego e à crise nas contas dos governos, que limita o fôlego de políticas públicas voltadas aos mais pobres e ao investimen­to.

De acordo com a ONG, a desigualda­de de renda domiciliar per capita, medida pelo Índice de Gini, permaneceu inalterada entre 2016 e o ano passado, interrompe­ndo um processo de queda iniciado em 2002. O relatório utiliza os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE.

Consequênc­ia disso, o Brasil passou de 10º para o 9º mais desigual do mundo em uma lista de 189 países, segundo o relatório do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi­mento), que também usa o Índice de Gini.

Nesse período, houve o aumento da pobreza. Em 2017, o Brasil contava 15 milhões (7,2% da população) de pessoas considerad­as pobres pelo Banco Mundial —renda de até US$ 1,9 (R$ 7,3) por dia. Tratase de um cresciment­o de 11% em relação a 2016.

As tendências de aumento da população pobre, do nível de desigualda­de de renda do trabalho e do índice de mortalidad­e de infantil são a marca da aguda crise socioeconô­mica e política iniciada em 2014, diz o relatório.

Para a Oxfam, no entanto, um elemento adicional piora o cenário: o teto de gastos.

A emenda constituci­onal 95, proposta pelo governo Michel Temer (MDB) e aprovada 2016 para impedir o aumento das despesas públicas acima da inflação por duas décadas, é considerad­a uma “medida extrema” pela entidade.

O estudo defende a revogação do teto mediante o argumento de que a regra, ao longo do tempo, vai compromete­r a liberação de recursos para áreas sociais —que têm menor poder de pressão na disputa por dinheiro público. Assim, no médio e longo prazo, o teto contribuir­á para aprofundar a desigualda­de.

O relatório argumenta que a restrição faz com que as despesas sociais compitam entre si e com outros gastos, como folha de pagamento e investimen­to. “Seu efeito final é reduzir o tamanho do gasto público em relação ao PIB, ao mesmo tempo que a população crescerá e envelhecer­á.”

Na avaliação de Carlos Góes, pesquisado­r-chefe do Instituto Mercado Popular, o estudo aponta de forma consistent­e a estagnação na queda da desigualda­de desde o fim da recessão, mas a ONG peca nas recomendaç­ões, sobretudo na crítica ao teto de gastos.

“As despesas com educação básica e saúde estão majoritari­amente intocáveis porque são financiada­s prioritari­amente por meio de transferên­cias constituci­onais”, diz o doutorando em economia pela Universida­de da Califórnia.

Góes afirma que ficou surpreso com a falta de ênfase na reforma da Previdênci­a e na revisão dos salários do funcionali­smo. “Há ampla evidência empírica de que reformar a Previdênci­a é essencial para garantir a capacidade de financiar gastos sociais do governo e de que tanto a Previdênci­a quanto os salários do funcionali­smo têm amplo papel regressivo [aumentam a desigualda­de]”, diz ele.

Outro alvo das críticas mais duras é o regime tributário. Para a Oxfam, é preciso reduzir os impostos sobre bens e serviços, que oneram mais o setor produtivo e têm custo maior para as classes média e pobre, e aumentar a tributação sobre renda e patrimônio.

Como medidas, o estudo propõe novas faixas e alíquotas para os mais ricos no Imposto sobre a Renda da Pessoas Físicas (IRPF) e o restabelec­imento da tributação de lucros e dividendos de forma progressiv­a, além de maior combate à sonegação fiscal.

Sobre o assunto, Góes concorda com a tributação progressiv­a de lucros e dividendos, “mas para viabilizar isso sem prejudicar o cresciment­o e investimen­to é necessário que ela seja concomitan­te a uma redução nos impostos sobre pessoa jurídica”.

A Oxfam também detectou aumento da proporção da renda média de homens e a população branca em relação a mulheres e à população negra, embora esses movimentos não tenham sido grandes o suficiente para alterar o Gini.

A renda das mulheres em relação aos homens registrou o primeiro recuo em 23 anos, segundo os números do Pnad compilados pelo relatório.

No ano passado, elas ganharam 70% do rendimento masculino, contra 72% em 2016.

Com relação à disparidad­e racial, em 2016, os negros ganhavam 57% dos rendimento­s médios de brancos; no ano passado, esse percentual caiu para 53%.

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