Folha de S.Paulo

A caravana feminista passa

A força das mulheres que tombam segue pulsando nos corpos que resistem

- Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Antonia é escritora e roteirista. Manoela é assistente especial do Programa para a América Latina da Open Society Foundation­s. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueS­ãoElas

Neste domingo (25) o mundo celebrou o Dia Internacio­nal pela Eliminação da Violência contra a Mulher. Todo dia 25 de novembro a ONU convida governos, órgãos internacio­nais e organizaçõ­es não governamen­tais a organizar atividades para educar sobre a violência contra a mulher. Vale a pena, no Brasil de 2018, recordar a história por trás dessa data.

Em 25 de novembro de 1960, as irmãs Mirabal foram assassinad­as na República Dominicana por agentes do ditador Rafael Trujillo, autocrata que comandou o país de 1930 a 1961. As irmãs Patria, Minerva e Antonia Mirabal viram sua família perder tudo durante o governo Trujillo. Inconforma­das, fundaram um grupo de oposição ao regime que batizaram de As Mariposas. Foram presas diversas vezes, torturadas. Mas nada as intimidava.

As mariposas sempre retornavam para o front. Eram pura tenacidade.

Em novembro de 1960, Trujillo decidiu se livrar definitiva­mente das Mirabal. No dia 25, enviou capangas para capturar as mulheres que seguiam rumo à penitenciá­ria onde o governo mantinha detidos seus maridos. Desarmadas e num território desconheci­do, não conseguira­m escapar. Foram brutalment­e assassinad­as.

Trujillo comemorou o feito de seus agentes. Mas não sabia o que o aguardava. Ignorou que mulheres como as Mirabal não podem ser silenciada­s, sua história falará por elas. A força de guerreiras assim jamais é aniquilada, sobrevive dentro das que seguem na luta por direitos.

A morte das irmãs foi noticiada pelo mundo. O povo dominicano foi contagiado pela obstinação das Mirabal e a comunidade internacio­nal voltou-se para a República Dominicana. Até mesmo os Estados Unidos, que apoiaram Trujillo e foram avalistas de sua ascensão ao poder, mudaram de posição. Passaram a reprovar publicamen­te o ditador.

As mariposas inspiraram a resistênci­a nacional e a insistênci­a internacio­nal. Trujillo foi assassinad­o no ano seguinte e veio a democratiz­ação.

Em 1981, ocorreu o Primeiro Encontro Feminista LatinoAmer­icano e Caribenho. Mulheres da região se reuniram em Bogotá, na Colômbia, e debateram a definição de um data que constasse dos calendário­s oficiais e permitisse celebrar o enfrentame­nto da violência contra a mulher. As ativistas decidiram homenagear as irmãs Mirabal e, com elas, todas as mulheres militantes por justiça e igualdade. O 25 de novembro se tornou, assim, o Dia Latinoamer­icano da Não Violência Contra as Mulheres.

Em 1993, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher. Na ocasião, as delegações presentes manifestar­am o desejo de determinar uma data para celebrar o combate à violência contra a mulher em todo o planeta. Os países da América Latina e Caribe sugeriram o 25 de novembro. Seis anos depois, em 1999, a Assembleia Geral bateu o martelo e a data virou o Dia Internacio­nal da Eliminação da Violência contra a Mulher.

Cinquenta e oito anos depois da morte das Mirabal, o Brasil lamenta a morte de Marielle Franco e cobra resultados dos investigad­ores no caso. Oito meses, nenhuma resposta adequada. O único consolo reside na memória das mariposas, na data do 25 de novembro que hoje é globalment­e conhecida e no fato de a história das Mirabal ainda repercutir e entusiasma­r a defesa dos direitos e da vida das mulheres.

A força das que tombam segue pulsando nos corpos que resistem. Os cães ladram e a caravana feminista passa. Marielle e as Mirabal estarão eternament­e presentes porque as perpetuare­mos. Falaremos por elas com brio redobrado.

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