Folha de S.Paulo

Super simples

Várias pessoas têm o mesmo nome, é normal

- Daniel Furlan

Levantei sem comer e fui para o aeroporto. Crianças no avião gritam exigindo coisas. As que não sabem falar só berram vogais. Sento ao lado de uma mãe e seu filho Arthur, saído diretament­e de “A Profecia”. Anunciam que há algo errado com avião, super simples.

Três horas depois, eu, Arthur, a mãe de Arthur e todos os passageiro­s temos que sair rumo à loja, onde após uma fila de mais de uma hora somos informados de que um novo voo sairá de outro aeroporto. Eu tenho que pedir um voucher de táxi para um funcionári­o chamado Daniel.

— Oi, você é o funcionári­o Daniel?

— Sim, qual o seu nome? — Daniel.

— O meu nome também é Daniel!

— Várias pessoas têm o mesmo nome, é normal.

O rapaz na minha frente sugere dividirmos um táxi e eu aceito por ser uma ideia sustentáve­l. Chegando já tarde da noite sem comer no outro aeroporto, o motorista encontra, enfurecido, uma casca de banana deixada pelo meu colega passageiro. Enquanto pega minha guitarra no porta-malas, ele esbraveja que “se não estivesse num ambiente social, nós iríamos apanhar muito”.

— Eu não conheço essa pessoa. Por favor não arremesse meu instrument­o por causa de uma casca de banana.

Novo check-in e pergunto sobre a possibilid­ade de um voucher para comer. Essa pergunta me coloca em outra fila, até que sou agraciado com um voucher, mas o restaurant­e fechou. Vou comer um pão de queijo mesmo e tomara que vomite lactose no uniforme de algum funcionári­o.

Entro no avião e o bagageiro superior não fecha com a guitarra dentro. A aeromoça tem a ideia de guardar só a guitarra ali e despachar o case separado. Boa ideia.

Pousamos. O selvagem Arthur está em algum lugar do avião gritando em desaprovaç­ão ao pouso. Chove muito e ter a guitarra sem case agora se revela uma péssima ideia. Me recuso a sair. Acabo pressionad­o a ir na chuva com a guitarra embaixo da camisa.

Descendo do ônibus no centro, sem celular e sem computador com bateria ou carregador, pergunto num bar se ainda existe orelhão. O dono do bar pede pra eu “tocar um rock”. Vejo um táxi passando e me jogo dentro.

— João?

— Não, Daniel.

— Desculpa, foi o João que chamou no aplicativo.

Um vulto surge na porta do táxi. Muita chuva, não vejo quem é, mas deve ser João pronto para me agredir em reivindica­ção ao seu táxi de aplicativo.

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Luciano Salles

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