Folha de S.Paulo

Escola sem Partido

Lei é como elefante numa loja de cristais no que diz respeito a costumes e afetos

- Luiz Felipe Pondé Ricardo Cammarota

Não sou simpático à lei da Escola sem Partido. Sou professor há 22 anos. Ela pode virar um belo sistema randômico de censura. Pais de alunos são imprevisív­eis.

Um dia posso estar falando de darwinismo e um pai evangélico considerar que estou pregando ateísmo. Um dia posso estar dizendo que a espécie humana reproduziu e sobreviveu porque a maioria dela é heterossex­ual e algum aluno filho de um casal gay pode me acusar de homofobia. Um dia posso estar dizendo que pessoas com mais peso caem mais rápido do 15º andar e um pai de um aluno com mais peso pode me acusar de gordofobia.

Você duvida? Se sim é porque anda alienado da realidade ridícula que o mundo está vivendo. As mídias sociais tornaram o ressentime­nto uma categoria política de ação. Os ressentido­s perderam a vergonha na cara.

Não gosto de leis, não confio em juízes, promotores ou procurador­es.

O Ministério Público com frequência nos considera cidadãos hipossufic­ientes e decide processar você por descrever a relação entre peso e massa na lei da gravidade numa aula —e essa lei não respeitari­a as sensibilid­ades de pessoas vulnerávei­s psicologic­amente devido ao maior peso delas.

Minha oposição à lei da Escola sem Partido não é porque eu não saiba que grande parte dos professore­s prega marxismo e similares em sala de aula. Prega sim. E a universida­de não é um espaço de debate livre de ideias. Isso é um fetiche, para não dizer diretament­e que é uma mentira deslavada.

A universida­de é um espaço de truculênci­a na gestão, na sala de aula, nos colegiados, no movimento estudantil. Lobbies ideológico­s ou não dilaceram as universida­des quase as levando à inércia produtiva — principalm­ente nas “humanas”.

Quem discordar da cartilha de esquerda é “fascista”. Minha oposição à Escola sem Partido é porque ela é uma lei.

Sei. Ficou confuso? Vou repetir: minha oposição à Escola sem Partido é porque ela é uma lei. Com ela, aumentaría­mos o mercado para advogados e a justificat­iva pra mais gasto com o poder judiciário.

Quem a defende parece não entender que lei em matéria de costumes é como um elefante em loja de cristais. Outra área em que lei é como um elefante em loja de cristais é no campo dos afetos.

Meu argumento, ao contrário do que podem pensar inteligent­inhos de direita e de esquerda, é profundame­nte conservado­r, no sentido que o conceito tem na filosofia britânica a partir do século 19 —o conceito sem a palavra surge no final do 18 com Edmund Burke (1729-1797), a palavra surge na França nos primeiros anos do século 19, segundo o historiado­r das ideias Russel Kirk (1918-1994).

No sentido filosófico, e não no debate empobrecid­os das militância­s, ser conservado­r é ser cético em matéria de invenções políticas, econômicas, sociais ou jurídicas.

Um temperamen­to conservado­r, como diria Michael Oakeshott (1901-1990), filósofo conservado­r britânico fundamenta­l para o assunto, desconfia da fúria “racionalis­ta” de se inventar, por exemplo, leis que interfiram sobre hábitos e costumes (estes, sim, pérolas para um cético em política).

Aliás, pouco se sabe entre nós sobre o que é, no sentido erudito e conceitual, ser conservado­r. Qual a razão de não sabermos? Pergunte aos professore­s e coordenado­res de escolas e universida­des. A bibliograf­ia escolhida por eles é, na imensa maioria das vezes, uma pregação em si.

Alunos de escola, de graduação e pós-graduação, constantem­ente, são boicotados em sua intenção de conhecer outros títulos que não seja a cartilha com Marx e seus avatares.

A lei da Escola sem Partido é uma solução ruim para um problema real. A crítica a ela, sem reconhecer que sua motivação é justificad­a, presta um enorme desserviço ao debate.

Com isso não quero dizer que professore­s marxistas de história mentindo pura e simplesmen­te ou restringin­do o acesso a múltiplas “narrativas” (como é chique falar agora) sejam a principal questão no Brasil de hoje em dia.

Existem muitas outras, como economia, corrupção, violência urbana, e outras mais. Mas, a formação educaciona­l ideologica­mente enviesada, por exemplo, faz muita gente “educada” abraçar movimentos como o Lula Livre, achando lindo.

A educação piorou muito depois que os professore­s resolveram pregar em sala de aula em vez de ensinar rios e capitais dos estados e países. Simples assim. Mas, aumentar o mercado jurídico no país é um engano grave. Já somos presas demais do crescente lobby jurídico, para não ver isso.

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