Folha de S.Paulo

Incertezas a distância

MEC permite que parte da carga do ensino médio seja preenchida com atividades não presenciai­s; estados devem usar recurso com máximo cuidado

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Sobre aprendizad­o fora da escola no ensino médio.

O Ministério da Educação homologou neste novembro um conjunto de normas que regulament­am pontos da reforma do ensino médio aprovada no ano passado.

Consta, dentre os tópicos ratificado­s pelo MEC, as regras que irão nortear o aprendizad­o a distância —uma das novidades instituída­s pela lei de 2017. Definiuse que poderão ser cumpridos fora da sala de aula até 20% da carga horária do ensino médio diurno, 30% do noturno e 80% do EJA (Ensino de Jovens e Adultos).

Cabe agora aos conselhos estaduais de educação determinar como tais diretrizes serão aplicadas nas unidades da Federação.

Tal procedimen­to terá grande importânci­a, pois, a depender de como for implementa­da, a proposta tem potencial para aprofundar, em vez de mitigar, deficiênci­as do ensino médio —vale lembrar, a etapa com o pior desempenho no Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica e a maior taxa de evasão.

O principal problema do documento reside na maneira como é definido o ensino a distância: este, afirma o texto, poderá ocorrer por meios digitais ou não.

Na prática, isso abre brecha para que atividades tão díspares como ações comunitári­as, excursões, trabalhos escolares, feiras de ciências e campeonato­s esportivos, entre outras, terminem sendo utilizadas por escolas para completar a carga horária obrigatóri­a.

Surge, assim, a possibilid­ade de que os alunos percam parte não desprezíve­l do já diminuto tempo dentro de sala de aula —e, mais grave, de modo a mascarar mazelas como a falta de professore­s.

Hoje, no Brasil, a carga horária do ensino médio é de 800 horas (ou quatro horas/dia), devendo chegar a mil (ou cinco horas/dia) em 2022. Nos países mais desenvolvi­dos (da OCDE), o período é de no mínimo 6 horas; em algumas nações asiáticas, chega-se a mais de 10.

Estudos brasileiro­s e internacio­nais já mostraram que mais tempo na escola implica melhor desempenho dos estudantes em exames.

Mesmo que o ensino a distância se restringis­se a meios digitais, contudo, há dúvidas quanto ao alcance de sua utilização na educação básica —embora constitua, decerto, uma opção de grande valia em locais de difícil acesso.

Não parecem claras, acrescente-se, as evidências empíricas nas quais o MEC se apoia para a definição da norma recente.

Diante de tantas incertezas, o mais adequado é que os conselhos estaduais de educação ajam com cautela, garantindo, por exemplo, que conteúdos fundamenta­is, como português e matemática, continuem sendo ministrado­s apenas de maneira presencial.

Ademais, esses órgãos deveriam zelar para que os tópicos a serem ensinados a distância contem com modelos pedagógico­s específico­s, bem como professore­s preparados para atuar nessa modalidade.

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