Folha de S.Paulo

Dossiê do Boca relata mais agressões, e torcida é investigad­a

Clube alega ter sido vítima de violência antes da final no sábado; Conmebol diz que jogo será fora da Argentina

- Alex Sabino e Bruno Rodrigues

Final da Libertador­es entre River e Boca será fora da Argentina

O Boca Juniors afirmou à Conmebol que seus jogadores foram alvo de outras agressões além da chuva de pedras e garrafas atiradas no ônibus da equipe antes da final da Libertador­es, no sábado (24), contra o River Plate. Dois atletas do time foram atingidos no ataque e o jogo teve de ser cancelado.

Os dirigentes alegam que, próximo ao estádio do rival, acontecera­m incidentes e que seus jogadores foram vítimas de uma emboscada. O relatório montado pelos cartolas do Boca tem 46 páginas.

A polícia de Buenos Aires investiga a relação dos Borrachos del Tablón, a principal organizada do River, com os tumultos que fizeram a decisão ser adiada de sábado para domingo (25) e depois suspensa mais uma vez. O Boca Juniors alegou não ter condição de entrar em campo.

A final mudou de data porque as pedras e garrafas atiradas por torcedores quebraram as janelas do ônibus. Atletas se feriram com estilhaços de vidros. O mais afetado foi o volante Pablo Pérez, que teve cortes no braço e o olho machucado. Foi usado gás de pimenta, que entrou no veículo e produziu mal estar entre os atletas. Eles tiveram de ser atendidos por médicos no vestiário do estádio.

Em reunião nesta terça-feira (27) na sede da Conmebol em Luque, no Paraguai, os presidente­s dos finalistas da Libertador­es chegaram a um consenso sobre a disputa.

Apesar de ter feito acordo com o mandatário da Conmebol, Alejandro Domínguez, e com o do River Plate, Rodolfo D’Onofrio, para decidir o título em campo, o presidente do Boca, Daniel Angelici, não suportou as pressões de seus jogadores, comissão técnica e torcedores. Ele decidiu entrar com a reclamação na comissão disciplina­r da confederaç­ão pedindo os pontos da partida e o título.

A confederaç­ão quer que o campeão seja definido em campo e marcou a partida de volta para 8 ou 9 de dezembro. Na ida, em La Bombonera, o placar foi 2 a 2. Ficou definido que a decisão não será mais disputada na Argentina.

A cidade favorita é Doha, no Qatar. Assunção, no Paraguai, e Miami, dos Estados Unidos, também estão cotadas.

“A presidênci­a, junto com o conselho da Conmebol, decidiu que a partida, caso aconteça, será jogada no sábado dia 8 ou domingo dia 9, fora do território argentino. Entendemos que não há condições para que esta partida seja jogada no país”, afirmou Alejandro Domínguez, em pronunciam­ento após o encontro com presidente­s dos dois finalistas.

Quando diz “caso aconteça”, ele condiciona a realização da final às decisões do comitê disciplina­r. Não há prazo para a resolução. Esperase que isso aconteça até esta quinta-feira (29).

O presidente do Boca, Daniel Angelici, afirmou que o clube vai esgotar todas as instâncias administra­tivas para que não aconteça a final. O passo seguinte seria recorrer à Câmara de Apelações.

“Não vamos jogar nenhum jogo até que o tribunal disciplina­r emita uma decisão. Uma vez que tenhamos esses argumentos, vamos ler e se estivermos de acordo, iremos ao tribunal de apelações em primeira e segunda instâncias. E se tivermos que ir ao TAS [Tribunal Arbitral do Esporte], iremos ao TAS”, disse ele.

Rodolfo D’Onofrio considera que a iniciativa do rival de tentar vencer nos tribunais é uma traição. Ele lembra que apertou a mão de Angelici no que o próprio Domínguez chamou de “acordo de cavalheiro­s” para que o campeão fosse definido em campo.

A reclamação do Boca Juniors não é a única investigaç­ão em andamento.

Desde abril de 2017 a Justiça argentina averigua as revendas ilegais de ingressos no River e a participaç­ão dos Borrachos del Tablón. Escuta telefônica captou José Uequin, conhecido como Bolsa de Papa (saco de batata, em espanhol), um dos chefes da torcida, dizendo que a ação do último sábado foi planejada como vingança.

No dia anterior, sexta (23), a polícia de Buenos Aires apreendeu 300 ingressos para a final e o equivalent­e a R$ 780 mil reais (em dólares e pesos) na casa de Hector Godoy, o Caverna, principal líder dos Borrachos del Tablón.

O confisco foi sangria nos planos da organizada. Não revender os bilhetes causou perda de receita consideráv­el. No mercado negro, dias antes do jogo, as entradas eram oferecidas por agências de turismo no centro da capital por até R$ 7 mil cada. Integrante­s dos Borrachos também ficariam sem chances de estarem no Monumental no confronto histórico pela Libertador­es.

Encarregad­o da investigaç­ão,

Alejandro Domínguez presidente da Conmebol

o fiscal Norberto Brotto considera impossível que os barras bravas, como são chamados os núcleos violentos das organizada­s, tenham conseguido os bilhetes sem a conivência de diretores do River.

“O clube não repassa ingressos para os barras”, se limitou a dizer D’Onofrio.

Há casos de sócios que foram pegar suas entradas no clube e descobrira­m que alguém havia passado no local antes e as retirado.

As principais barras da Argentina vivem em conflitos internos permanente­s. Mas nenhuma como os Borrachos del Tablón, que tem longo histórico de assassinat­os, traições e facções disputando o poder. Neste aspecto, supera até mesmo La 12, a principal torcida do Boca Juniors, e a mais conhecida do país.

Com recursos de revenda de ingressos, controle dos comércios ilegais fora dos estádios, guardadore­s de carros, rifas de camisas dadas por jogadores ou pedidos de ajuda financeira ao clube, as maiores organizada­s conseguem movimentar mais de R$ 1 milhão em meses com maior número de jogos.

No caso do River, ainda há shows de bandas internacio­nais que acontecem no Monumental de Nuñez. Os torcedores lucram com a venda de entradas para esses eventos.

Os Borrachos del Tablón, como outras organizada­s do país, são empresas, quase sempre sem fins lucrativos, montadas para justificar a entrada de recursos e evitar pagamento de impostos. Também são responsáve­is pela confecção e venda de materiais com o logo da torcida, que se tornaram, com o tempo, uma grife do futebol local.

As barras dos grandes clubes atraem torcedores de outras equipes, não por causa da paixão do futebol, mas pela capacidade de arrecadar dinheiro. E os Borrachos del Tablón conseguem reunir o grupo mais diversific­ado. No decorrer das últimas três décadas, teve como líderes ou principais nomes gente ligada a agremiaçõe­s menores, como Chacarita Juniors, Sportivo Italiano e All Boys.

Hector “Caverna” Godoy esperou mais de dez anos para conseguir ser o líder dos Borrachos. Durante as décadas de 1990 e parte dos anos 2000, navegou entre grupos que buscavam o poder, como um dos principais auxiliares de Alan e William Schenkler, dois irmãos de família rica de Buenos Aires que se tornaram a principal referência da torcida por quase dez anos.

Os Schenkler estão presos, condenados a prisão perpétua pelo assassinat­o em 2007 de Gonzalo Arco, integrante de grupo rival nos Borrachos.

O conflito entre os irmãos e Adrian Rosseau, originado em 2006 por causa da divisão de dinheiro que sobrou da viagem dos torcedores para a Copa do Mundo na Alemanha, fez o River Plate viver um caos durante o resto da década. Houve casos de facadas, tiros e brigas generaliza­das dentro do Monumental mesmo em dias sem partidas.

Apesar da apreensão dos ingressos e das escutas telefônica­s, a Justiça não determinou a prisão de Godoy que, em áudio enviado para rádios argentinas, disse não ter nada a ver com a confusão do último sábado.

“A presidênci­a, junto com o conselho da Conmebol, decidiu que a partida, caso aconteça, será jogada no sábado dia 8 ou domingo dia 9, fora do território argentino

Não vamos jogar nenhum jogo até que o tribunal disciplina­r emita uma decisão. Uma vez que tenhamos esses argumentos, vamos ler e se estivermos de acordo, iremos ao tribunal de apelações em primeira e segunda instâncias. E se tivermos que ir ao TAS [Tribunal Arbitral do Esporte], iremos ao TAS

Daniel Angelici presidente do Boca Juniors

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