Folha de S.Paulo

Parque Augusta vai dar até R$ 95 mi de lucro a empresas

Valor foi calculado a partir de lei que norteou doação de terrenos na região central à Prefeitura de SP

- Mariana Zylberkan

As construtor­as que doaram dois terrenos à prefeitura para a construção do parque Augusta terão créditos para erguer novos empreendim­entos em São Paulo. Elas não comentaram o assunto.

As construtor­as que doaram dois terrenos à Prefeitura de São Paulo para a construção do parque Augusta, na região central da cidade, irão lucrar até R$ 95 milhões em créditos para erguer novos empreendim­entos na cidade.

As construtor­as Cyrela e Setin irão receber um total de R$ 205,4 milhões em créditos, ante os R$ 110 milhões que gastaram para comprar e manter os terrenos depois doados em acordo iniciado com João Doria e, posteriorm­ente, finalizado pelo atual prefeito Bruno Covas, ambos do PSDB.

O valor foi calculado com base na lei que norteou o acordo e prevê contrapart­ida a proprietár­ios privados de terrenos que aceitam doá-los para a cidade quando o interesse público é comprovado, como no caso do parque.

Essa contrapart­ida é dada na forma do chamado potencial construtiv­o passível de transferên­cia, espécie de crédito tributário calculado a partir do tamanho do terreno.

O valor de R$ 205,4 milhões a ser recebido pelas construtor­as Cyrela e Setin foi calculado a partir do tamanho dos terrenos doados, o valor do metro quadrado em área equivalent­e à região do parque Augusta e o perfil de empreendim­ento —no caso, unidades residencia­is com mais de 70 m².

O cálculo foi feito pela Folha com base em fórmulas do Plano Diretor e ratificado por técnicos indicados pela própria gestão Covas e ligados à Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciame­nto.

Somados os valores dos dois terrenos, os gastos com IPTU e com manutenção (como segurança e limpeza), as construtor­as desembolsa­ram cerca de R$ 110 milhões para adquiri-los e mantê-los, conforme dados da Promotoria.

Nesse valor está inserida a indenizaçã­o de R$ 10,1 milhões homologada pela Justiça que atribuiu às empresas os gastos com a construção e manutenção do parque por dois anos, restauro de bens tombados no terreno e construção de equipament­os municipais, como creches. Portanto, o lucro será de R$ 95 milhões em potencial construtiv­o passível de transferên­cia.

As caracterís­ticas simuladas equivalem a um empreendim­ento nos mesmos moldes do que poderia ter sido erguido na região do parque Augusta em 3.300 m², o total de créditos extraído do acordo.

Com base nisso, o potencial construtiv­o avaliado em R$ 205,4 milhões poderá ser transferid­o pelas construtor­as Cyrela e Setin, donas das empresas envolvidas na negociação, a seus futuros empreendim­entos. Outra opção para as empresas é vendê-los a outras construtor­as. Nos dois casos, o montante deixará de entrar nos cofres municipais.

Para erguer prédios em algumas regiões valorizada­s da cidade, as construtor­as têm de pagar à prefeitura um excedente do percentual de uso do solo caso queiram construir acima do limite padrão fixado pelo município.

O tamanho e o preço dessa área construtiv­a excedente, chamada de outorga onero- sa, variam conforme a região, mas entram na planilha de custos de qualquer empreendim­ento. Essa dívida com a prefeitura pode ser paga com créditos transferid­os de outro empreendim­ento, como doações de lotes ou aquisições de imóveis tombados.

Com esse crédito em potencial do parque Augusta, portanto, Cyrela e Setin irão economizar em futuras construçõe­s de prédios residencia­is e comerciais em áreas nobres. O valor pode ser ainda maior se transferid­o para áreas menos valorizada­s.

Os montantes arrecadado­s com a outorga onerosa são a principal fonte do Fundurb (Fundo de Desenvolvi­mento Urbano), usado para a construção de habitações de interesse social, espaços públicos, entre outros. Neste ano, até outubro, o Fundurb arrecadou R$ 267,1 milhões com as outorgas onerosas.

Cyrela e Setin se uniram em sociedade em 2013 para comprar os dois terrenos nas ruas Caio Prado e Augusta, apenas dois meses antes de o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) promulgar a lei que criou o parque Augusta, em dezembro daquele ano.

Segundo a escritura dos lotes, a negociação foi de R$ 64,1 milhões (R$ 89,7 milhões em valores atuais corrigidos). O montante não chegou a ser transferid­o ao antigo proprietár­io uma vez que o negócio foi submetido à condição de que os novos proprietár­ios repassasse­m ao vendedor unidades dos empreendim­entos a serem construído­s no local.

Entre idas e vindas judiciais que duraram cinco anos, as duas empresas tiveram que abrir mão do projeto inicial de construir torres residencia­is e comerciais nos terrenos para transformá-los em parque.

De acordo com a secretária de Licenciame­nto e Urbanismo, Heloisa Proença, a negociação do parque Augusta foi norteada por seu benefício social. “Nosso ganho é de outra natureza, não é monetário, estamos ganhando um parque, creches e dois anos de manutenção. Nesse caso, o ganho do público é mensurável de outra forma, a contrapart­ida foi social”, disse.

Além disso, a secretária frisa que o cálculo é hipotético e que o potencial construtiv­o é um ativo passível de ser utilizado a longo prazo, o que pode desvaloriz­á-lo durante os anos. A perspectiv­a da secretária é que o crédito seja utilizado ao longo de dez anos.

No caso de vendê-lo a outras construtor­as, o ativo sofre deságio de cerca de 30%, segundo a secretária, uma vez que o vendedor concorre com a própria prefeitura.

As duas construtor­as foram procuradas pela Folha, mas não quiseram comentar o assunto.

A doação de terrenos para a criação do parque Augusta foi a primeira negociação do tipo com base nas diretrizes do novo Plano Diretor. Até então, as doações privadas de terreno para a prefeitura eram raras e chegavam a ser arrastar por mais de dez anos até serem concluídas.

Em julho deste ano, o prefeito Bruno Covas (PSDB) publicou decreto em que reduz as exigências para esse tipo de acordo. Segundo a secretária Heloisa Proença, a medida desburocra­tizou a transferên­cia de potencial construtiv­o.

Há ao menos mais um proprietár­io de terreno interessad­o em fazer o mesmo acordo com a administra­ção municipal. O lote fica na Vila Andrade, na zona sul, e deve ser transforma­do em um parque linear. Para transforma­r terrenos em parques é preciso que o projeto de área verde esteja previsto no Plano Diretor.

Atualmente, o parque Augusta está em fase de ter a posse dos terrenos transferid­a para a prefeitura para que o projeto de construção comece a ser colocado em prática. A última pendência judicial, uma ação civil pública que pedia punição às empresas pelo fechamento do terreno, foi considerad­a improceden­te pela Justiça neste mês.

“Nosso ganho é de outra natureza, não é monetário, estamos ganhando um parque, creches e dois anos de manutenção Heloisa Proença secretária municipal de Licenciame­nto e Urbanismo

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Danilo Verpa - 10.ago.18/Folhapress Terrenos que abrigarão o parque Augusta, na região da Consolação, no centro de São Paulo
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