Folha de S.Paulo

Conchavo vexatório

Teto salarial do funcionali­smo sobe, em troca do fim do auxílio-moradia irrestrito para magistrado­s; manobra escancara desfaçatez no uso da benesse

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Sobre reajuste para o STF e fim do auxílio-moradia.

Num conchavo que expõe o desembaraç­o das altas autoridade­s do país em torcer normas para contemplar suas conveniênc­ias, o presidente da República, Michel Temer (MDB), e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, definiram o aumento salarial para os ministros da corte.

O reajuste de 16,38% —que eleva os vencimento­s dos magistrado­s e o teto salarial do serviço público a R$ 39,3 mil mensais— deverá gerar, segundo cálculos de técnicos do Congresso Nacional, um gasto suplementa­r total de ao menos R$ 4 bilhões por ano na Federação.

A medida, aprovada por um Senado em clima de fim de festa, estava à espera da sanção presidenci­al, que se concretizo­u na segunda-feira (26) após entendimen­tos entre Temer e Toffoli.

A contrapart­ida oferecida pelo STF foi o fim da concessão generaliza­da da benesse do auxílio-moradia, há quatro anos estendida de maneira aberrante a todos os magistrado­s e procurador­es do país pelo ministro Luiz Fux.

Como se sabe, em setembro de 2014, no papel de relator de três ações movidas por juízes, Fux decidiu presentear seus colegas com o benefício, em decisão tomada em em caráter liminar. Desde então, a magistratu­ra contava com um adicional de R$ 4.377 por mês, livre de tributos e do teto salarial.

Concebido para profission­ais transferid­os para comarcas longínquas, o auxílio-moradia em sua versão indiscrimi­nada passou a engordar os vencimento­s mesmo de quem trabalhass­e na cidade onde mora e fosse proprietár­io de imóvel —caso, entre tantos, do ex-juiz Sergio Moro, ora nomeado ministro da Justiça do próximo governo.

Considerad­o por Fux um gesto de pragmatism­o, não se deixou dúvida de que tal escárnio para com a sociedade foi um subterfúgi­o para compensar a ausência de reajustes pleiteados pela corporação.

Ou seja, de maneira enviesada e com o intuito de elevar sua remuneraçã­o, os mais altos representa­ntes da Justiça fizeram valer para um amplo coletivo uma norma que seria destinada a poucos.

Note-se que a supressão da regalia não compensa a despesa provocada pelo aumento salarial, sancionado por um presidente que, por sua vez, foi pródigo, em seu breve mandato, nas concessões a categorias variadas de funcionári­os —na contramão das tentativas da equipe econômica de ajustar a dramática situação orçamentár­ia.

O caso ressalta a necessidad­e de rever mecanismos que favorecem a propagação em cascata das mudanças salariais e de estabelece­r regras para o cumpriment­o do teto remunerató­rio do serviço público.

Não se discute que autoridade­s tão qualificad­as mereçam ganhar bem, mas há que respeitar os limites da realidade brasileira e os requisitos de transparên­cia, hoje burlados por meio de pendurical­hos diversos nas folhas de pagamento.

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