Folha de S.Paulo

Vinicius Torres Freire

Militares, muitos da missão da ONU, e ultraliber­ais dominam; grupo político vai mal

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

É só desordem o comando político de Bolsonaro

Sergio Moro almoça com uma dúzia de pessoas no restaurant­ezinho do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), em uma espécie de marquise aberta para os gramados que circundam a sede do governo de transição de Jair Bolsonaro.

A dez metros da mesa do futuro ministro da Justiça, duas meninas gritam “Lula livre!”, riem e correm. A mesa de Moro faz cara de desdém. Passam grupos de escolares em visita. Moro acaba de almoçar no Bom Demais, vizinho da Mão Brasileira, loja de artesanato­s. Passa então Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, a caminho de uma porta lateral do CCBB. É perseguido por um grupo de repórteres em correria estrepitos­a.

Guedes, com pressa para a reunião com Bolsonaro, não diz grande coisa. Entram e saem assessores econômicos e parlamenta­res amigos ou à procura de amizade. Definição sobre a reforma da Previdênci­a?

Por uma hora, parece que morreu de vez a hipótese de aprovar uma reforma de aprovação em tese mais rápida, que aproveite o projeto de Michel Temer, mesmo no início do ano que vem.

Volta a conversa de reformar e também de refundar logo a Previdênci­a, com a criação do regime de capitaliza­ção (de poupança individual­izada para a aposentado­ria).

É ainda mais difícil de fazer. Se a reforma demora, a confiança econômica tremelica, as taxas de juros não caem. Com juros ainda altos, o preço das privatizaç­ões planejadas não sobe; fica mais caro o financiame­nto privado das obras de infraestru­tura, sem o que o cresciment­o rateia, pois não haverá dinheiro para investimen­to público.

Logo, porém, ouve-se que a reforma Temer da Previdênci­a não está morta. Que o governo em progresso estudaria maneiras de financiar a Previdênci­a com receitas que não pesem sobre a folha de salários das empresas (outros impostos, talvez sobre transações financeira­s). Que estaria definida a desvincula­ção de benefícios assistenci­ais do valor do salário mínimo. Verdade? A depender do assessor ou do parlamenta­r, sim ou não.

O governo de transição não tem coordenaçã­o de comunicaçõ­es, se alguma outra. Como se tem visto, formam-se bolhas de nomeações ministeria­is que parecem certas e se desmancham em uma tarde. As bolhas são lançadas e furadas pelos grupos que circundam Bolsonaro, um arquipélag­o sem balsas ou pontes de ligação.

De menos incerto, há dois centros fortes de poder inegáveis. Os militares e Paulo Guedes. O resto é névoa.

Os militares acabam de levar também o Ministério da Infraestru­tura, com o capitão Tarcísio de Freitas, que fez carreira na alta burocracia federal quando saiu do Exército.

Esteve no Haiti, como tantos no governo Bolsonaro —compreensí­vel, pois os militares devem ter enviado sua elite para a missão da ONU.

Vão ficar também com o Programa de Parceria de Investimen­tos, o PPI, central para deslanchar obras de infraestru­tura. Por falar nisso, não se sabe se partes dos ministério­s da Integração Nacional e das Cidades vão para o ministério de Tarcísio de Freitas.

Guedes levou seu círculo de colegas de universida­de, de finança e de conselhos empresaria­is do Rio para comandar as estatais maiores. Seus vice-ministros na Economia são técnicos de Temer e gente ligada ao Instituto Millenium.

A ordem bolsonaris­ta se compõe por ora de militares, muitos do Haiti, e ultraliber­ais. Seu comando político, porém, cada vez mais fraco, é só desordem.

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