Folha de S.Paulo

Cordão sanitário

- Bruno Boghossian

Os partidos tomaram um inibidor de apetite para aguentar a escalação do ministério de Jair Bolsonaro. Dirigentes entenderam que o presidente eleito falava sério ao prometer barrar indicações políticas na montagem do governo. A maioria topou o jejum dos últimos 30 dias, mas não pretende morrer de fome.

A paulada eleitoral de outubro foi tão forte que praticamen­te nenhum líder ousou reclamar em público da falta de espaço nos postos estrelados da administra­ção. A cobiça pelo poder, no entanto, continuou viva e deve desaguar na cobrança por cargos em escalões inferiores.

A dúvida sobre as próximas etapas da composição do governo é se o cordão sanitário de Bolsonaro funcionará também nas autarquias, superinten­dências regionais e delegacias estaduais dos ministério­s.

Para deputados e senadores, algumas dessas vagas locais são considerad­as mais valiosas do que as chefias das pastas, já que ficam em contato direto com suas bases eleitorais. Um superinten­dente pode resolver um pedido de um prefeito e facilitar a liberação de verba para uma obra num município, por exemplo.

A distribuiç­ão desses cargos aos parlamenta­res é a ferramenta mais básica do manual da articulaçã­o política. Aceitar a indicação de um diretor ou demitir um delegado regional apadrinhad­o por um deputado é um modo simples de controlar a fidelidade individual nas votações.

Dirigentes partidário­s acreditam que Bolsonaro será obrigado a fazer concessões nesses postos. Para acumular capital político e aprovar seus projetos, o presidente eleito repartiria entre integrante­s da base aliada cargos com menor visibilida­de.

As barreiras de contenção da máquina pública costumam enfrentar testes eminenteme­nte políticos. Quando fez a faxina em seu primeiro governo, Dilma Rousseff tirou o PR do comando do Dnit e nomeou um general. Jorge Fraxe ficou três anos no cargo, até que chegou 2014, ano de campanha. A presidente rifou o militar e devolveu a vaga ao partido em troca de apoio a sua reeleição.

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