Folha de S.Paulo

A educação como política de Estado

Grupo político não pode impor sua visão particular

- Maria Paula Dallari Bucci Professora da Faculdade de Direito da USP; ex-secretária de Educação Superior do Ministério da Educação (2008-2010, governo Lula)

A disputa partidária pelo Ministério da Educação lamentavel­mente derrotou a visão da educação como política de Estado. Ficou vencida a ideia inicial do presidente eleito, correta, de nomear um ministro com perfil técnico, como era o caso de Mozart Neves Ramos, que chegou a ser anunciado no dia 22.

Um técnico é alguém familiariz­ado com o universo educaciona­l e principalm­ente com os desafios de gestão próprios do campo. Como o Brasil é uma Federação, a política de educação depende de uma articulaçã­o nacional, em que a execução está a cargo dos estados e dos municípios, onde estão os professore­s, as redes e a maioria dos estudantes da educação básica.

Há muito tempo o Brasil se pergunta por que nossos caminhos educaciona­is são distintos de outros países que, saindo de níveis baixos como os nossos, conseguira­m ultrapassá-los, como é o caso da Coreia do Sul ou da Irlanda. O que alguns não perceberam é que o Brasil já deu os primeiros passos para isso. E não foram pequenos, nem estiveram na conta de um ou outro governo apenas. Interrompe­r essa trajetória é recuar algumas décadas.

O entendimen­to da educação como pauta supraparti­dária começa na Constituin­te, que tratou das questões estruturan­tes e estabelece­u, no artigo 205, que a educação visa o “pleno desenvolvi­mento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificaç­ão para o trabalho.” As Emendas Constituci­onais 14, de 1996; 53, de 2006; e 59, de 2009, aprovadas em diferentes gestões, organizara­m com mais clareza as competênci­as federativa­s. Esse esforço foi complement­ado pelos Planos Nacionais de Educação, cada um precedido de quatro anos de debates parlamenta­res e audiências públicas.

O primeiro, de 2001, e o segundo, a Lei 13.005, de 2014, ainda em vigor, estipulam metas e estratégia­s que orientam os educadores sobre os resultados a perseguir e a coordenaçã­o dos meios para tanto.

Essa legislação previu, entre outras coisas, a obrigatori­edade da avaliação, cuja face mais conhecida é o Ideb (Índice de Avaliação da Educação Básica). Foi um grande avanço para o Brasil estabelece­r uma referência de fácil compreensã­o para medir a evolução real das redes educaciona­is. Mas foi necessário um trabalho prévio, de pactuação de um calendário e a realização de provas nacionais, com a adesão dos entes federativo­s.

Sem a ampla participaç­ão e sem o rigor técnico das medições não se teria a credibilid­ade necessária para legitimar a cobrança que a sociedade passou a fazer sobre seus governante­s em matéria de educação.

Esse é apenas um exemplo das medidas em que o Brasil concretame­nte avançou no campo educaciona­l, apoiado num trabalho a muitas mãos, das forças políticas em conjunto, nos últimos 30 anos. Efeito positivo desse trabalho é a melhoria consistent­e do Ideb dos anos iniciais da educação fundamenta­l, que indica um bom caminho definido e que ajustes pontuais não devem abalar a estruturaç­ão essencialm­ente técnica e pautada em práticas consagrada­s internacio­nalmente.

Isso está em risco quando um grupo político, apoiado no resultado eleitoral, pretende impor sua visão particular às práticas educaciona­is no país, em nome da Escola sem Partido, escancarad­a e perigosa partidariz­ação da educação.

Além de contrariar a Constituiç­ão, isso joga por terra um investimen­to de longo prazo já feito e um trabalho que está em curso para qualificar a cidadania e o capital humano, sem o qual o Brasil carecerá do insumo mais importante para o seu desenvolvi­mento.

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