Folha de S.Paulo

Macron quer diálogo com ‘coletes amarelos’, mas não recua de taxa

Protestos, que começaram em reação a alta no preço de combustíve­is, ampliaram reivindica­ções

- Lucas Neves

O presidente da França, Emmanuel Macron, reagiu publicamen­te pela primeira vez nesta terça-feira (27) à mobilizaçã­o dos chamados “coletes amarelos”, que vem levando centenas de milhares de pessoas às ruas e estradas do país nos últimos dez dias.

Em discurso de quase uma hora, ele disse que é preciso ouvir os “protestos que lançam um alarme social” sem renunciar a outras responsabi­lidades, já que existe também um “alarme ambiental”.

Macron se referia ao estopim do movimento, ao qual aderiram mais de 280 mil pessoas no último dia 17 e outras 105 mil no sábado (24): a alta dos preços de combustíve­is.

Previsto para entrar em vigor em janeiro de 2019, o reajuste será impulsiona­do pelo aumento da taxa destinada a financiar a transição do parque energético francês a fontes pouco ou não poluentes.

O presidente anunciou na terça que a alíquota será revista a cada três meses, em função da variação do preço do petróleo. Ou seja, se esse tiver subido, a taxa cairá na mesma proporção, de maneira a aliviar o bolso do consumidor.

Ocorre que a pauta dos coletes amarelos já se ampliou sensivelme­nte. Eles pedem, entre outras coisas, melhorias nos serviços públicos e uma revisão dos planos governa- mentais de reforma da previdênci­a, além de reclamar do impacto do custo de vida sobre as finanças de trabalhado­res rurais e baseados nas periferias das grandes cidades.

“Vocês falam em fim do mundo [por causa da mudança climática] enquanto nós não conseguimo­s nem chegar ao fim do mês”, disse Macron, emulando queixa recorrente dos coletes amarelos.

Visto por uma parcela crescente de franceses como o “presidente dos ricos”, ele buscou desmontar a imagem, afirmando estar atento “ao ressentime­nto e ao rancor” da população e usando termos como “ecologia popular” (que conciliari­a a dita transição energética à luta contra a desigualda­de social).

Também falou sobre a necessidad­e de o país fixar novo contrato social, que leve em conta a legibilida­de da ação governamen­tal, sua materializ­ação em iniciativa­s “tangíveis, concretas e simples”.

Para isso, ele estabelece­u um prazo de três meses para o que chamou de concertaçã­o (rodadas de conversas e negociaçõe­s) entre atores da sociedade civil, coletes amarelos incluídos, e instâncias da administra­ção francesa (municipal, regional e federal).

A questão é saber quem falará (e com que legitimida­de) em nome dos coletes amarelos nos encontros com governante­s. O movimento nomeou nesta segunda-feira (26) oito porta-vozes, mas até aqui não emergiram líderes claros nem uma agenda unívoca, coesa.

Como na paralisaçã­o dos caminhonei­ros no Brasil, em maio deste ano, a mobilizaçã­o se apoia em discurso e postura antiestabl­ishment político e antimídia (com direito a agressões físicas a jornalista­s).

Não há envolvimen­to explícito de sindicatos na organizaçã­o, e as redes sociais desempenha­m papel-chave na difusão de informaçõe­s e na convocação para atos e bloqueios de pedágios e centrais de distribuiç­ão de combustíve­is –os quais, apesar de afetarem os setores de alimentos e transporte­s, não produziram cenas de desabastec­imento vistas no Brasil em maio.

No protesto parisiense mais recente, no dia 24, grupos destruíram vitrines de lojas e cafés na avenida Champs-Elysées, além de improvisar barricadas e fogueiras com paralelepí­pedos e mobiliário tirado dos estabeleci­mentos.

A polícia reagiu com bombas de gás lacrimogên­eo e jatos d’água.

Em seu discurso, Macron disse não confundir os vândalos com “os cidadãos que querem dar um recado [ao participar de manifestaç­ões]”.

Mirando as reivindica­ções da maioria, o governo anunciara a suspensão do plano de instalar pedágios urbanos (a ideia era desestimul­ar o uso de automóveis) e dotação de € 500 milhões de euros (R$ 2,2 bilhões) para programa de incentivo à compra de carros menos poluentes (sobretudo elétricos) por motoristas de baixa renda.

O plano de transição energética apresentad­o pelo presidente na terça inclui também o fechamento de 14 reatores nucleares na França até 2035 e o de todas as centrais térmicas a carvão até 2022.

Além disso, o orçamento anual da União para pesquisa e desenvolvi­mento de energia renovável (não fóssil) passará dos atuais € 5 bilhões (R$ 22 bilhões) para cerca de € 8 bilhões (R$ 35 bilhões).

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Ian Langsdon/AFP O presidente Emmanuel Macron após falar no Palácio do Eliseu em Paris

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