Folha de S.Paulo

Autocrític­a ou Fosfosol?

PT e seus economista­s permanecem presos ao keynesiani­smo de quermesse

- Alexandre Schwartsma­n Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universida­de da Califórnia em Berkeley aschwartsm­an@gmail.com

Em sua primeira entrevista após as eleições, o candidato derrotado Fernando Haddad não só analisa o pleito deste ano mas arrisca previsões, bem como explicaçõe­s para a derrota.

Gostei muito de “se eu tivesse no mundo evangélico o mesmo percentual de votos que tive no mundo não evangélico, eu teria ganho a eleição”. É o equivalent­e a, “se todos os que não votaram em mim tivessem me escolhido, eu seria presidente”. Mas não é disso que queria falar.

Em determinad­o momento Fernando é questionad­o sobre a necessária autocrític­a petista, ao que responde “não tem uma entrevista minha em que não tenha apontado um erro de diagnóstic­o, uma falha”.

Pode ser verdade, porque erros e falhas não faltaram na administra­ção petista, mas, do ponto de vista econômico, nenhum prócer do PT, certamente não o Fernando, renegou o conjunto de políticas que nos levaram à maior recessão dos últimos 25 anos, que dobrou a taxa de desemprego e jogou de volta à pobreza 8,6 milhões de brasileiro­s entre 2014 e 2016.

Muito pelo contrário, quem teve a oportunida­de de ler as propostas do programa petista, coordenado por Marcio Pinochmann, não teve a menor dificuldad­e de perceber que se tratava essencialm­ente da mesma Nova Matriz Econômica, posta em prática por Guido Mantega e seus asseclas, incluindo o nefasto Arno Augustin.

A nova Nova Matriz trazia aumento dos gastos públicos, inclusive com eliminação do teto das despesas, intervençã­o no mercado de câmbio (“temos que ter estabilida­de do câmbio em patamar competitiv­o”), uso dos bancos públicos, recursos do BNDES (agora acrescidos de reservas internacio­nais) para financiar obras de infraestru­tura, fim do foco exclusivo do BC na inflação (e com sindicalis­tas participan­do da definição das metas para a inflação).

A lista poderia ser ampliada sem dificuldad­e, mas acredito que os leitores já pegaram a essência da proposta: a política econômica seria, no que interessa, a mesma aplicada durante o primeiro governo de Dilma Rousseff, que até mesmo Nelson Barbooosa, depois de muito refugar, admite ter sido um equívoco, reconhecen­do que “o ajuste de 2015 foi necessário para corrigir os erros política econômica de 2012-14”.

Por mais que, ao longo do segundo turno, novas propostas fossem surgindo, nem tão depressa que parecesse covardia nem tão devagar que soasse como provocação, a triste verdade é que o partido e seus economista­s permanecem presos ao keynesiani­smo de quermesse em sua expressão mais vulgar.

Obviamente não deveria ser, nem é, meu problema.

Por mais que o Fernando considere que foi a “elite econômica” quem botou o PT fora do governo, elegendo Jair Bolsonaro (devemos ser um país muito rico, em que 55% dos votantes fazem parte da elite econômica), é fato que a maioria da população rejeitou suas propostas (e aqui me refiro ao conjunto delas, não apenas as econômicas). Quem tem um problema é o PT.

Isso dito, se é para termos uma oposição séria, talvez fosse uma boa ideia modernizar um tanto o modelito de política econômica.

Nem é preciso ir tão longe: o próprio PT adotou, ainda que a contragost­o (e abandonou assim que teve chance), o hoje amaldiçoad­o tripé macroeconô­mico, bem como as políticas sociais focadas, que um dia foram motivo para Maria da Conceição Tavares chamar Marcos Lisboa de “débil mental”, em ambos os casos com grande sucesso.

Não é preciso autocrític­a; só melhorar um pouco a memória.

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